Saturday, November 23, 2024

O Princípio da devolução facultativa ou da suficiência discricionária - Questões Prejudiciais

O princípio da devolução facultativa confere ao juiz o poder de decidir ou de devolver a questão prejudicial. Este princípio está consagrado no art.15.ºCPTA, dividindo-se em duas vertentes: 1) devolução facultativa e 2) suficiência discricionária.

Este regime, instituído pelo art. 4.º/2 ETAF em 1984, veio substituir o princípio da devolução obrigatória então defendido, em que o juiz tinha o dever de sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronunciasse.


Para efeitos do art.15.º CPTA, questões prejudiciais devem ser entendidas como questões de cuja resolução depende o conhecimento e resolução de uma outra, ou seja, questões que, apesar de não constituírem elas próprias esse objeto, se apresentam como pressupostos fundamentais das questões que constituem esse mesmo objeto, e cujo conhecimento, desligado do objeto do recurso, ou seja, apreciado autonomamente, pertence a outra ordem de tribunais.


Para o Professor Alberto dos Reis, uma verdadeira questão prejudicial, deve preencher os seguintes pressupostos cumulativos: a) representar um antecedente lógico-jurídico, relativamente à decisão da questão principal, demonstrando a necessidade da sua resolução previamente à decisão da questão principal; b) ser autónoma, na medida em que, pelo seu objeto ou natureza, legitima um processo independente, no âmbito de jurisdição que não seja a Administrativa; c) ser necessária, dado que a sua resolução deve ser plausível, não bastando ser dilatória.


Considere-se os seguintes exemplos de questões prejudiciais:

i) no Acórdão do STA de 3 de julho de 2003, em que fora intentada ação destinada à remoção de uma caravana de um terreno, constita questão prejudicial o juízo acerca da titularidade do terreno onde se encontrava “implantada” tal caravana;

ii) no Acórdão do STA de 30 de outubro de 2019, concluiu-se que a reclamação graciosa apresentada contra a autoliquidação de IRC de 1996 constituía questão prejudicial relativamente à decisão de mérito quanto a 1997, dado que esta estaria dependente daquela que viesse a ser proferida em definitivo quanto a 1996;

iii) no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30 de setembro de 2022, em que foi intentada ação de impugnação do despacho proferido pelo Senhor Vereador do Pelouro da Câmara Municipal, para que este procedesse à desocupação do caminho público colocando-o na situação em se encontrava anteriormente à obra de construção de um muro e colocação de um portão, entendeu-se que se tratava de uma questão prejudicial a aferição da titularidade do espaço onde se encontravam implantados o muro e o portão em causa.


Sinteticamente, uma questão prejudicial é aquela que faz depender a questão principal da sua resolução, cuja competência é atribuída a tribunais pertencentes a uma ordem de jurisdição diferente.


Note-se que o art. 272.º/1 CPC contempla uma situação diferente de suspensão da instância por determinação do juiz (ou acordo das partes), em que a ação prejudicial está pendente no tribunal em causa ou noutro e a suspensão da instância justifica-se pelo facto de o julgamento de um processo pendente poder condicionar a decisão de mérito do juiz acerca da decisão relativa ao outro processo.


O princípio em análise atribui à jurisdição administrativa o poder de decidir sobre todas as questões necessárias à decisão das questões que constituam o objeto dos recursos da sua competência, mesmo que, para o efeito, seja necessário decidir questões (prejudiciais) para cujo conhecimento (autónomo) seja competente a jurisdição comum..


O art.15.º/1 CPTA, permite ao juiz, face a uma questão prejudicial que esteja no âmbito de jurisdição de outro tribunal, optar livremente entre duas opções: 1) sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie (devolução facultativa) ou antes, 2) decidir a questão prejudicial com base nos elementos de prova admissíveis e com efeitos restritos àquele processo (suficiência discricionária).


O princípio da devolução facultativa deverá ainda ser conjugado com o princípio da economia processual (que concretiza o princípio da tutela jurisdicional efetiva), dado que, o juiz, para proceder à escolha de entre uma das duas opções supra referidas, deverá atender ao grau de complexidade da questão prejudicial em causa, bem como à facilidade (ou não) de recolha dos elementos de prova, promovendo um processo célere e eficiente e evitando trâmites desnecessários.


No entanto, os arts. 15.º/2 e 3 CPTA, estabelecem que, tendo o juiz optado por sobrestar na decisão, caso a ação de competência do tribunal pertencente a outra jurisdição não seja proposta no prazo legalmente previsto (dois meses) ou no caso de, por negligência das partes, não ter sido dado andamento ao processo, considera-se que a a suspensão do processo administrativo fica sem efeito, pelo que, o juiz deve conhecer da questão prejudicial, com os elementos de prova disponíveis, existindo restrição desses efeitos àquele processo administrativo. Nesta situação, seguindo o processo no contencioso administrativo (art. 15.º/3 CPTA), a questão prejudicial é decidida no próprio processo, a título incidental.




Bibliografia:


ALMEIDA, Mário Aroso, CADILHA, Carlos Alberto Fernandes, Comentário ao CPTA – 2021, 5ª edição Almedina


REIS, Alberto dos, Comentário ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, III, 1946


Revista: https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao02/datavenia02_p133-144.pdf


Acordão STA: https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/2e4ce3af216fd45480256ede004928ed?


Acórdão STA:

http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2ec843465baf8bf8802584ab00417034?OpenDocument&ExpandSection=1#_Section1


Acódão STA:

https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/173bc8e13b63d5bb80256d64004c9754?OpenDocument&ExpandSection=1


Acórdão Tribunal Central Administrativo Norte:

https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/b9e046368a51b38f802588fb003ea537?OpenDocument




Maria Constança Madeira Brogueira Monteiro Lagarto, nº 66503


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