Saturday, November 23, 2024

Impacto dos Limites da Arbitragem Administrativa

Sumário: 1. Introdução; 2. Caracterização dos Tribunais Arbitrais; 3. Comparação com o Processo Judicial Tradicional; 4. Regime dos Tribunais Arbitrais: 4.1 Tribunais Arbitrais Necessários; 5. Limites à Arbitragem Administrativa: 5.1 Fundamentação Constitucional e Legislativa; 5.2 Princípios Gerais dos Limites; 5.3 Exceções e limitações específicas; 5.4 Reserva de Competência dos Tribunais Estatais; 6. Impacto Prático dos Limites; 7. Conclusões.


1. Introdução

Na cadeira de contencioso administrativo e tributário, temos vindo a focar a nossa atenção no processo dos tribunais administrativos, tomando por referência os tribunais estaduais. No entanto, no nosso ordenamento jurídico reconhece-se, de forma pacífica, a possibilidade de se constituir tribunais arbitrais para dirimir litígios de Direito Administrativo, respeitantes à interpretação, validade ou execução de contratos, ou ainda à constituição em responsabilidade civil por danos causados pela Administração no âmbito da sua atividade de gestão pública. Assim, em princípio, não existe qualquer incompatibilidade entre a justiça e a autodeterminação privada, visto que o nosso legislador atribuiu dignidade aos tribunais arbitrais, o que nos permite concluir que o Estado não detém um monopólio exclusivo sobre a justiça.

A arbitragem administrativa emerge, portanto, como um mecanismo alternativo de resolução de litígios, oferecendo celeridade, especialização e flexibilidade na resolução de conflitos entre particulares e a Administração Pública.

Contudo, o seu uso encontra limites bem definidos no ordenamento jurídico português, refletindo a necessidade de proteger o interesse público e salvaguardar a soberania estatal. Este trabalho examina o impacto prático desses limites, analisando como moldam o alcance da arbitragem administrativa e condicionam a sua aplicação em áreas como atos administrativos, contratos públicos e responsabilidade civil. Ao longo do estudo, serão avaliadas as implicações desses constrangimentos na eficiência do mecanismo arbitral, na sua relação com os tribunais estatais e na garantia de conformidade com os princípios fundamentais do Estado de Direito.

 

2. Caracterização dos Tribunais Arbitrais

Os tribunais arbitrais consistem num meio alternativo de resolução de conflitos, relativamente aos tribunais estaduais. São estabelecidos por acordo entre as partes para resolver litígios, com base na sua autonomia privada. Diferentemente dos tribunais estaduais, a arbitragem é marcada pela flexibilidade e pela capacidade de adaptação às especificidades de cada caso, com vantagens em processos mais céleres e simplificados. Este sistema é regido por várias características que destacam o seu funcionamento.

Características dos Tribunais Arbitrais

  1. Contratual na sua origem: A criação de um tribunal arbitral baseia-se no acordo entre as partes envolvidas, que manifestam a sua vontade em resolver o conflito sem recorrer ao tribunal estadual. Essa autonomia privada confere às partes o direito de constituir um tribunal arbitral que funcione nos termos e limites definidos no contrato entre as mesmas. Ao contrário dos tribunais estaduais, cuja competência é definida por lei, os tribunais arbitrais obtêm autoridade e legitimidade diretamente da vontade das partes.
  2. Privada na sua natureza: Os tribunais arbitrais operam fora da esfera dos órgãos de soberania. Isto implica que as partes podem escolher livremente quem julgará o caso, e os árbitros não precisam de ser juristas, bastando somente que as partes concordem com a sua designação. Ao contrário dos tribunais estaduais, os tribunais arbitrais não possuem poderes coercitivos diretos, como a imposição de multas ou a execução de sentenças. Por isso, em caso de não cumprimento voluntário de uma sentença arbitral, a parte vencedora deve recorrer ao tribunal estadual para proceder à execução.
  3. Jurisdicional na sua função: Embora sejam privados, os tribunais arbitrais exercem funções jurisdicionais, pois as suas sentenças têm força executiva e são reconhecidas com a mesma dignidade das decisões dos tribunais estaduais. Isso significa que, uma vez transitada em julgado, a decisão arbitral é final e não admite recurso. No entanto, os tribunais arbitrais não têm competência para determinadas medidas, como ordenar o julgamento de uma testemunha ou impor sanções pecuniárias compulsórias. Nesses casos, a colaboração de um tribunal estadual é necessária.
  4. Pública no seu resultado: As decisões dos tribunais arbitrais têm efeitos públicos, no sentido de que produzem resultados com valor jurídico e que podem ser executados perante tribunais estaduais, caso seja necessário.

 

3. Comparação com o Processo Judicial Tradicional

A arbitragem oferece uma série de vantagens em relação ao processo judicial, principalmente em termos de liberdade e flexibilidade. Ao contrário dos tribunais civis, onde o processo é geralmente rígido e formal, na arbitragem as partes têm a liberdade de definir os temas que serão discutidos e as regras processuais que serão aplicadas. Assim, a arbitragem permite adaptar o procedimento às especificidades do conflito em questão, evitando formalismos e ajustando as regras conforme as necessidades das partes.

Além disso, o processo arbitral incorpora princípios essenciais de justiça, como:

  • Princípio do contraditório: Ambas as partes têm o direito de se manifestar e responder aos argumentos apresentados pela outra parte.
  • Processo equitativo: As regras devem assegurar que a decisão seja justa e imparcial.
  • Igualdade das partes: Ambas as partes têm os mesmos direitos e oportunidades durante o processo.

Diferenças Processuais

No processo arbitral, as partes podem acordar que os depoimentos sejam apresentados por escrito, o que é visto como uma prática eficiente, pelo que é habitual a sua ocorrência. Cada parte pode também nomear o seu próprio perito, cabendo ao tribunal decidir qual dos peritos apresenta a avaliação mais convincente. A decisão final é, em regra, tomada por uma maioria dos árbitros, ou pelo árbitro presidente, caso não se chegue a consenso.

Limitações dos Tribunais Arbitrais

Os tribunais arbitrais, apesar de serem reconhecidos como tribunais legítimos, apresentam algumas limitações importantes:

  • Não podem impor a sua decisão a terceiros que não participaram no processo arbitral.
  • Determinadas matérias estão excluídas da arbitragem, como questões que envolvem ordem pública ou que exijam poderes de autoridade.
  • Não têm poder para obrigar uma testemunha a comparecer perante eles, sendo necessário solicitar essa medida a um tribunal estadual.

Em suma, os tribunais arbitrais oferecem uma alternativa ao sistema judicial estadual, com vantagens em termos de flexibilidade, rapidez e adaptação ao caso concreto. Embora sejam privados, têm um valor jurisdicional semelhante ao dos tribunais estatais, conferindo força e segurança às decisões arbitrais. No entanto, permanecem dependentes dos tribunais estaduais para a execução de decisões que exijam medidas coercitivas ou intervenções mais rigorosas.

 

4. Regime dos Tribunais Arbitrais

O regime da arbitragem no âmbito administrativo é regulado de forma a garantir que este mecanismo alternativo de resolução de litígios coexista com os princípios fundamentais da justiça administrativa e da soberania estatal. A arbitragem administrativa é permitida pela Constituição da República Portuguesa (CRP), que a reconhece como expressão do direito de acesso à justiça e da tutela jurisdicional efetiva. No entanto, a sua aplicação está sujeita a um conjunto de normas e princípios específicos que delimitam o seu funcionamento.

A arbitragem administrativa encontra fundamento na Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), bem como no Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Este último estabelece um regime especial que prevalece sobre as normas gerais da LAV, sempre que estejam em causa matérias administrativas. No âmbito da arbitragem administrativa, podem ser celebradas convenções de arbitragem, como compromissos arbitrais (para litígios já existentes) ou cláusulas compromissórias (para litígios potenciais). Ambas as formas são reconhecidas como juridicamente vinculativas, desde que respeitem os limites impostos pela lei.

As decisões proferidas pelos tribunais arbitrais possuem força de caso julgado, sendo geralmente suscetíveis de recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo nos casos em que as partes tenham convencionado que o tribunal decida segundo a equidade. A aplicação do princípio da equidade é uma característica que confere maior flexibilidade à arbitragem, mas que também limita a possibilidade de revisão por tribunais superiores, uma vez que estes apenas julgam com base em normas jurídicas.

Um aspeto central do regime jurídico da arbitragem administrativa é a exigência de uma lei especial que autorize a sua utilização em determinadas matérias. Esta exigência reflete a preocupação em assegurar que a arbitragem não comprometa direitos indisponíveis ou o interesse público, que são tradicionalmente salvaguardados pelos tribunais estatais. Assim, as matérias que envolvem a responsabilidade civil da Administração por atos legislativos, políticos ou jurisdicionais, bem como a execução de decisões arbitrais, estão expressamente excluídas do âmbito da arbitragem, sendo competência exclusiva dos tribunais administrativos.

Além disso, o regime da arbitragem administrativa permite que as partes configurem os poderes dos tribunais arbitrais dentro dos limites da legalidade. Por exemplo, os tribunais arbitrais podem ser autorizados a decidir com base no mérito ou na equidade, mas devem respeitar os limites materiais que a lei impõe. O CPTA é explícito em prever a possibilidade de arbitragem em matérias relacionadas com atos administrativos que não envolvam direitos indisponíveis. No entanto, estabelece restrições claras, como a proibição de arbitragem sobre atos administrativos pré-contratuais destacados de procedimentos de concurso público.

Outro elemento distintivo do regime jurídico é a forma de execução das sentenças arbitrais. Apesar de os tribunais arbitrais terem competência jurisdicional para decidir conflitos, a execução das suas decisões em matéria administrativa está reservada aos tribunais estatais. Esta solução reflete a proteção do interesse público e a necessidade de preservar a soberania estatal na execução de decisões judiciais.

No plano internacional, o regime jurídico da arbitragem administrativa segue os princípios consagrados em convenções internacionais, como a Convenção de Washington de 1965. Portugal aceita a arbitragem internacional em matérias administrativas, sendo as suas decisões vinculativas para a Administração Pública, que não pode invocar normas internas como justificativa para descumprir sentenças arbitrais.

Em síntese, o regime da arbitragem no direito administrativo combina flexibilidade com um conjunto de limites e salvaguardas que visam proteger o interesse público e garantir a compatibilidade com os princípios constitucionais. Embora seja uma ferramenta valiosa para resolver litígios de forma eficiente, a arbitragem administrativa está integrada num sistema jurídico que assegura a sua conformidade com o Estado de Direito e os valores fundamentais da ordem jurídica portuguesa.

 

4.1 Tribunais Arbitrais Necessários

Há casos em que a lei prevê a constituição obrigatória de tribunais arbitrais, como em contratos de concessão de serviços públicos. Estas instâncias não comprometem o acesso ao duplo grau de jurisdição.

Os tribunais arbitrais necessários, no âmbito do direito administrativo, são uma figura que se destaca por desviar da natureza voluntária que caracteriza a arbitragem tradicional. Em vez de serem criados por livre acordo entre as partes, estes tribunais são estabelecidos por imposição legal em determinadas situações, obrigando as partes a submeter os seus litígios à jurisdição arbitral.

O Código de Processo Civil (CPC) português reconhece a possibilidade de constituição de tribunais arbitrais necessários em várias áreas, incluindo nas relações jurídicas administrativas. Contudo, a sua criação está sujeita a uma exigência essencial: a previsão expressa em lei especial. Assim, não basta o mero desejo de recorrer à arbitragem; é indispensável que o legislador autorize a constituição de tais tribunais, especificando as condições em que estes podem ser utilizados. Exemplos práticos incluem litígios relacionados com concessões de serviços públicos ou parcerias público-privadas, nos quais a lei frequentemente impõe a arbitragem como mecanismo obrigatório de resolução de disputas.

O caráter necessário destes tribunais arbitrais tem suscitado algumas críticas na doutrina, uma vez que compromete o princípio da liberdade de escolha das partes, que é central à arbitragem tradicional. Por isso, alguns autores defendem que os tribunais arbitrais necessários se aproximam mais dos tribunais administrativos especiais do que de verdadeiros tribunais arbitrais. Apesar dessas críticas, o legislador português optou por preservar esta figura, especialmente em contextos onde a especialização e a celeridade do procedimento arbitral se revelam vantajosas.

Uma característica relevante dos tribunais arbitrais necessários é que, mesmo sendo criados por imposição legal, eles não podem retirar às partes o direito fundamental de acesso aos tribunais judiciais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa. Por isso, as decisões destes tribunais são, em regra, suscetíveis de recurso para os tribunais administrativos ou para o Tribunal Central Administrativo. Esta possibilidade de recurso assegura o cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição. Contudo, há exceções: em algumas situações, a lei exclui expressamente a possibilidade de recurso, como em certos contratos administrativos de concessão. Embora tais exclusões sejam controversas, o Tribunal Constitucional tem reconhecido a sua admissibilidade em casos específicos, desde que não violem os direitos fundamentais das partes.

Outro aspeto relevante é a diferença entre os tribunais arbitrais necessários e os tribunais arbitrais forçosos. Enquanto os primeiros decorrem diretamente de uma previsão legal, os segundos permitem que o particular exija judicialmente que a Administração celebre um compromisso arbitral. Este direito, consagrado no artigo 182.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), garante que a arbitragem possa ser acionada em casos específicos, mesmo sem o acordo prévio da Administração. Trata-se de um mecanismo que reforça o direito dos particulares a uma solução arbitral, desde que estejam preenchidos os requisitos legais para a sua aplicação.

Em termos práticos, os tribunais arbitrais necessários encontram utilidade em matérias onde o legislador identifica a necessidade de um foro especializado, célere e que promova segurança jurídica. São comuns em contratos de grande complexidade técnica ou impacto económico, como nos contratos de gestão hospitalar ou concessões de infraestrutura. Apesar de serem uma exceção ao caráter voluntário da arbitragem, a sua adoção reflete uma tentativa de equilibrar a eficácia da resolução de litígios com a proteção do interesse público.

 

5. Limites da Arbitragem Administrativa

5.1 Fundamentação Constitucional e Legislativa

A arbitragem é reconhecida pela Constituição da República Portuguesa (CRP) – art. 209º/2, mas encontra limites na proteção de certos interesses públicos que não podem ser deixados à autodeterminação das partes envolvidas. Esses limites decorrem de:

  • Reserva de Competência Legislativa: Apenas a Assembleia da República pode definir a organização e competência dos tribunais, incluindo os arbitrais (art. 165, nº 1, alínea p da CRP).
  • Reserva de Soberania: Algumas matérias são de competência exclusiva dos tribunais estatais, como a declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas.

5.2 Princípios Gerais dos Limites

A conformação da jurisdição arbitral no âmbito administrativo deve respeitar dois princípios fundamentais:

  • Indisponibilidade de Direitos: A arbitragem não pode incidir sobre direitos e interesses indisponíveis, isto é, aqueles cuja decisão não pode ser livremente tomada pelas partes. Exemplos incluem questões relacionadas ao interesse público que exigem julgamento por tribunais estatais qualificados.
  • Limites Implícitos da Constituição: A CRP não contém uma lista explícita de matérias que não podem ser submetidas à arbitragem, mas reconhece a prevalência de regras que assegurem a soberania estatal e o interesse público.

5.3 Exceções Legislativas e Limitações Específicas

O Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e o Código dos Contratos Públicos (CCP) estabelecem limites legislativos explícitos à arbitragem:

a) Matérias Excluídas pela Lei

  • Responsabilidade civil no exercício de funções soberanas: Segundo o artigo 185 do CPTA, não é possível recorrer à arbitragem para matérias ligadas à responsabilidade civil derivada de atos políticos, legislativos ou jurisdicionais.
  • Modificações de Contratos Administrativos: O CCP exclui, no artigo 313.º, a possibilidade de modificação de contratos que envolvam poderes discricionários da Administração.

b) Restrição em Atos Administrativos

  • Atos Pré-Contratuais: Certos atos destacáveis de procedimentos pré-contratuais não são arbitráveis, como os praticados no âmbito de concursos públicos. O tribunal arbitral deve abster-se de decidir nesses casos.
  • Revogabilidade dos Atos: Apenas atos administrativos que possam ser revogados com base no mérito (não na invalidade) são considerados disponíveis para arbitragem.

5.4 Reserva de Competência dos Tribunais Estatais

A execução de decisões arbitrais em matéria administrativa está reservada aos tribunais estatais. Isso significa que, mesmo quando há uma sentença arbitral, a sua aplicação e execução só podem ser realizadas por tribunais administrativos.

Exemplo: A Administração Pública não pode delegar a competência de aplicar coativamente uma sentença arbitral, preservando a soberania no exercício do poder executivo.

 

6. Impacto Prático dos Limites

Embora a arbitragem seja uma ferramenta eficaz para resolução de litígios administrativos, os limites impostos garantem:

  • A proteção do interesse público e da soberania estatal.
  • A manutenção da competência dos tribunais administrativos em matérias sensíveis.
  • O equilíbrio entre a flexibilidade da arbitragem e a segurança jurídica exigida pelo direito administrativo.

O impacto prático dos limites à arbitragem no direito administrativo reflete-se diretamente na forma como esta ferramenta é utilizada para resolver litígios entre particulares e a Administração Pública. Embora a arbitragem seja amplamente reconhecida como um mecanismo eficaz, célere e especializado, os limites impostos pelo ordenamento jurídico garantem que o seu uso respeite os princípios do Estado de Direito, protegendo os interesses públicos e assegurando a conformidade constitucional.

Um dos efeitos mais evidentes dos limites à arbitragem é a salvaguarda de matérias consideradas indisponíveis, ou seja, aquelas em que o interesse público está em jogo e que, por isso, não podem ser objeto de negociação ou delegação. Este enquadramento restringe o recurso à arbitragem em temas como a declaração de inconstitucionalidade ou a apreciação da ilegalidade de normas, que permanecem reservados à competência exclusiva dos tribunais estatais. Na prática, isso evita que questões estruturais ou de grande relevância para a coletividade sejam decididas fora do controle jurisdicional estatal, protegendo a soberania e a uniformidade da aplicação da lei.

Além disso, os limites refletem-se na impossibilidade de submeter à arbitragem litígios relacionados com certos atos administrativos que envolvem direitos indisponíveis ou poderes discricionários. Por exemplo, nos casos de atos administrativos destacados de procedimentos pré-contratuais, como os praticados em concursos públicos, a exclusão da arbitragem impede que decisões que afetam o acesso equitativo e transparente às contratações públicas sejam arbitrariamente julgadas. Assim, protege-se o princípio da imparcialidade e da igualdade no exercício da função administrativa.

No domínio dos contratos administrativos, os limites impactam diretamente a forma como as partes contratantes podem resolver disputas. Embora o Código dos Contratos Públicos (CCP) permita a arbitragem em várias situações, ele também estabelece restrições importantes, como a proibição de modificar contratos por meio de arbitragem em situações que comprometam os poderes discricionários da Administração. Este limite prático reforça o papel da Administração como guardiã do interesse público, prevenindo que a sua margem de decisão seja restringida por convenções arbitrais.

Outro impacto significativo é a reserva de competência dos tribunais estatais para a execução de sentenças arbitrais. Mesmo quando um tribunal arbitral resolve um litígio, a execução da sua decisão depende da intervenção dos tribunais administrativos. Na prática, esta medida assegura que o cumprimento das sentenças seja realizado sob supervisão estatal, mantendo o controlo sobre os atos executórios e prevenindo eventuais violações de direitos fundamentais.

No contexto da arbitragem internacional, os limites também têm implicações práticas importantes. Embora Portugal reconheça e permita a arbitragem em litígios administrativos com entidades estrangeiras, a vinculação da Administração Pública às decisões de tribunais arbitrais internacionais é condicionada pelo respeito aos princípios constitucionais e às normas do direito internacional. Este enquadramento previne abusos ou conflitos entre a legislação nacional e os compromissos internacionais assumidos pelo Estado, garantindo que o interesse público seja protegido mesmo em litígios transnacionais.

Por fim, os limites à arbitragem promovem um equilíbrio entre a eficiência da resolução de litígios e a preservação de valores fundamentais do direito administrativo. Na prática, evitam que a arbitragem esvazie a competência dos tribunais comuns ou comprometa a legalidade e a transparência da atuação administrativa. Ao mesmo tempo, ao restringir a arbitragem a casos que não afetem direitos indisponíveis ou interesses públicos essenciais, os limites asseguram que este mecanismo permaneça uma ferramenta complementar, e não substitutiva, da justiça estatal.

 

7. Conclusões

Em suma, os limites à arbitragem no direito administrativo têm um impacto prático que transcende a simples regulação de competências. Moldam o uso da arbitragem como um instrumento especializado, mas disciplinado, que combina os benefícios da celeridade e flexibilidade com a proteção do interesse público e a garantia de conformidade com o ordenamento jurídico.

Na prática, os limites asseguram que matérias de elevada sensibilidade, como a declaração de inconstitucionalidade de normas, a execução de sentenças arbitrais ou a revisão de atos administrativos não disponíveis, sejam preservadas no domínio exclusivo dos tribunais estatais. Este enquadramento é particularmente relevante em situações onde o interesse coletivo pode estar em tensão com os interesses privados, reforçando a necessidade de decisões amparadas por um controlo jurisdicional mais amplo.

Outro impacto significativo é o condicionamento do uso da arbitragem em contratos administrativos. Ao impedir, por exemplo, que decisões arbitrais possam comprometer os poderes discricionários da Administração, o legislador reforça o papel da arbitragem como instrumento complementar, e não substitutivo, da justiça estatal. Isto preserva a integridade da atuação administrativa, garantindo que ela continue pautada pelo respeito às normas constitucionais e legislativas.

Os limites à arbitragem também desempenham um papel crucial na proteção do princípio da igualdade e transparência nos procedimentos administrativos. Ao excluir certas matérias, como atos destacáveis de concursos públicos, do alcance da arbitragem, previne-se o risco de decisões arbitrais que possam comprometer os princípios de acesso equitativo e imparcialidade na contratação pública.

No contexto internacional, os limites ajudam a assegurar que os compromissos assumidos pela Administração Pública sejam compatíveis com os princípios do direito internacional e com as normas internas. Isso garante que a arbitragem internacional não se torne um espaço para decisões que possam vulnerar a ordem pública interna ou subverter o equilíbrio entre a autonomia das partes e os interesses coletivos.

Portanto, os limites à arbitragem administrativa têm um impacto prático profundo: promovem a utilização responsável e equilibrada deste mecanismo, reforçam a compatibilidade entre a arbitragem e os valores fundamentais do direito administrativo e garantem que a proteção do interesse público prevaleça sobre a celeridade e a flexibilidade arbitral. Em última análise, asseguram que a arbitragem administrativa, apesar de flexível e eficiente, permaneça subordinada às exigências do Estado de Direito e ao respeito pelas normas que regem a atuação administrativa.

 

Bibliografia:

·        Cabral de Moncada, Luís. A Arbitragem no Direito Administrativo: Uma Justiça Alternativa. Revista O Direito, Ano 2010, III

·        ANDRADE, José Carlos Vieira de. A Justiça Administrativa - 19ª Edição: Lições. Coimbra: Almedina, Ano 2009

·        ALMEIDA, Mário Aroso de. Manual de Processo Administrativo. Coimbra: Almedina, Ano 2010

·        Apontamentos de “Curso Intensivo de Arbitragem

 

Trabalho realizado por: Mª Inês Costa Pinto, nº66426
2024/2025

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