Sumário: 1. Introdução; 2. Caracterização dos Tribunais Arbitrais; 3. Comparação com o Processo Judicial Tradicional; 4. Regime dos Tribunais Arbitrais: 4.1 Tribunais Arbitrais Necessários; 5. Limites à Arbitragem Administrativa: 5.1 Fundamentação Constitucional e Legislativa; 5.2 Princípios Gerais dos Limites; 5.3 Exceções e limitações específicas; 5.4 Reserva de Competência dos Tribunais Estatais; 6. Impacto Prático dos Limites; 7. Conclusões.
1. Introdução
Na cadeira de contencioso
administrativo e tributário, temos vindo a focar a nossa atenção no processo
dos tribunais administrativos, tomando por referência os tribunais estaduais.
No entanto, no nosso ordenamento jurídico reconhece-se, de forma pacífica, a
possibilidade de se constituir tribunais arbitrais para dirimir litígios de
Direito Administrativo, respeitantes à interpretação, validade ou execução de
contratos, ou ainda à constituição em responsabilidade civil por danos causados
pela Administração no âmbito da sua atividade de gestão pública. Assim, em
princípio, não existe qualquer incompatibilidade entre a justiça e a
autodeterminação privada, visto que o nosso legislador atribuiu dignidade aos
tribunais arbitrais, o que nos permite concluir que o Estado não detém um
monopólio exclusivo sobre a justiça.
A arbitragem administrativa
emerge, portanto, como um mecanismo alternativo de resolução de litígios,
oferecendo celeridade, especialização e flexibilidade na resolução de conflitos
entre particulares e a Administração Pública.
Contudo, o seu uso encontra
limites bem definidos no ordenamento jurídico português, refletindo a
necessidade de proteger o interesse público e salvaguardar a soberania estatal.
Este trabalho examina o impacto prático desses limites, analisando como moldam
o alcance da arbitragem administrativa e condicionam a sua aplicação em áreas
como atos administrativos, contratos públicos e responsabilidade civil. Ao
longo do estudo, serão avaliadas as implicações desses constrangimentos na
eficiência do mecanismo arbitral, na sua relação com os tribunais estatais e na
garantia de conformidade com os princípios fundamentais do Estado de Direito.
2. Caracterização dos Tribunais Arbitrais
Os tribunais arbitrais consistem
num meio alternativo de resolução de conflitos, relativamente aos tribunais
estaduais. São estabelecidos por acordo entre as partes para resolver litígios,
com base na sua autonomia privada. Diferentemente dos tribunais estaduais, a
arbitragem é marcada pela flexibilidade e pela capacidade de adaptação às
especificidades de cada caso, com vantagens em processos mais céleres e
simplificados. Este sistema é regido por várias características que destacam o
seu funcionamento.
Características dos Tribunais
Arbitrais
- Contratual na sua origem: A criação de um
tribunal arbitral baseia-se no acordo entre as partes envolvidas, que
manifestam a sua vontade em resolver o conflito sem recorrer ao tribunal estadual.
Essa autonomia privada confere às partes o direito de constituir um
tribunal arbitral que funcione nos termos e limites definidos no contrato
entre as mesmas. Ao contrário dos tribunais estaduais, cuja competência é
definida por lei, os tribunais arbitrais obtêm autoridade e legitimidade
diretamente da vontade das partes.
- Privada na sua natureza: Os tribunais
arbitrais operam fora da esfera dos órgãos de soberania. Isto implica que
as partes podem escolher livremente quem julgará o caso, e os árbitros não
precisam de ser juristas, bastando somente que as partes concordem com a
sua designação. Ao contrário dos tribunais estaduais, os tribunais
arbitrais não possuem poderes coercitivos diretos, como a imposição de
multas ou a execução de sentenças. Por isso, em caso de não cumprimento
voluntário de uma sentença arbitral, a parte vencedora deve recorrer ao
tribunal estadual para proceder à execução.
- Jurisdicional na sua função: Embora sejam
privados, os tribunais arbitrais exercem funções jurisdicionais, pois as
suas sentenças têm força executiva e são reconhecidas com a mesma
dignidade das decisões dos tribunais estaduais. Isso significa que, uma
vez transitada em julgado, a decisão arbitral é final e não admite
recurso. No entanto, os tribunais arbitrais não têm competência para
determinadas medidas, como ordenar o julgamento de uma testemunha ou impor
sanções pecuniárias compulsórias. Nesses casos, a colaboração de um tribunal
estadual é necessária.
- Pública no seu resultado: As decisões dos
tribunais arbitrais têm efeitos públicos, no sentido de que produzem
resultados com valor jurídico e que podem ser executados perante tribunais
estaduais, caso seja necessário.
3. Comparação com o Processo Judicial Tradicional
A arbitragem oferece uma série de
vantagens em relação ao processo judicial, principalmente em termos de liberdade
e flexibilidade. Ao contrário dos tribunais civis, onde o processo é
geralmente rígido e formal, na arbitragem as partes têm a liberdade de definir
os temas que serão discutidos e as regras processuais que serão aplicadas.
Assim, a arbitragem permite adaptar o procedimento às especificidades do
conflito em questão, evitando formalismos e ajustando as regras conforme as
necessidades das partes.
Além disso, o processo arbitral
incorpora princípios essenciais de justiça, como:
- Princípio do contraditório: Ambas as partes
têm o direito de se manifestar e responder aos argumentos apresentados
pela outra parte.
- Processo equitativo: As regras devem
assegurar que a decisão seja justa e imparcial.
- Igualdade das partes: Ambas as partes têm os
mesmos direitos e oportunidades durante o processo.
Diferenças Processuais
No processo arbitral, as partes
podem acordar que os depoimentos sejam apresentados por escrito, o que é visto
como uma prática eficiente, pelo que é habitual a sua ocorrência. Cada parte
pode também nomear o seu próprio perito, cabendo ao tribunal decidir qual dos
peritos apresenta a avaliação mais convincente. A decisão final é, em regra,
tomada por uma maioria dos árbitros, ou pelo árbitro presidente, caso não se
chegue a consenso.
Limitações dos Tribunais
Arbitrais
Os tribunais arbitrais, apesar de
serem reconhecidos como tribunais legítimos, apresentam algumas limitações
importantes:
- Não podem impor a sua decisão a terceiros que não
participaram no processo arbitral.
- Determinadas matérias estão excluídas da
arbitragem, como questões que envolvem ordem pública ou que exijam poderes
de autoridade.
- Não têm poder para obrigar uma testemunha a
comparecer perante eles, sendo necessário solicitar essa medida a um
tribunal estadual.
Em suma, os tribunais arbitrais
oferecem uma alternativa ao sistema judicial estadual, com vantagens em termos
de flexibilidade, rapidez e adaptação ao caso concreto. Embora sejam privados,
têm um valor jurisdicional semelhante ao dos tribunais estatais, conferindo
força e segurança às decisões arbitrais. No entanto, permanecem dependentes dos
tribunais estaduais para a execução de decisões que exijam medidas coercitivas
ou intervenções mais rigorosas.
4. Regime dos Tribunais Arbitrais
O regime da arbitragem no âmbito
administrativo é regulado de forma a garantir que este mecanismo alternativo de
resolução de litígios coexista com os princípios fundamentais da justiça
administrativa e da soberania estatal. A arbitragem administrativa é permitida
pela Constituição da República Portuguesa (CRP), que a reconhece como expressão
do direito de acesso à justiça e da tutela jurisdicional efetiva. No entanto, a
sua aplicação está sujeita a um conjunto de normas e princípios específicos que
delimitam o seu funcionamento.
A arbitragem administrativa
encontra fundamento na Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), bem como no Código
do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Este último estabelece um
regime especial que prevalece sobre as normas gerais da LAV, sempre que estejam
em causa matérias administrativas. No âmbito da arbitragem administrativa,
podem ser celebradas convenções de arbitragem, como compromissos arbitrais
(para litígios já existentes) ou cláusulas compromissórias (para litígios
potenciais). Ambas as formas são reconhecidas como juridicamente vinculativas,
desde que respeitem os limites impostos pela lei.
As decisões proferidas pelos
tribunais arbitrais possuem força de caso julgado, sendo geralmente suscetíveis
de recurso para o Tribunal Central Administrativo, salvo nos casos em que as
partes tenham convencionado que o tribunal decida segundo a equidade. A
aplicação do princípio da equidade é uma característica que confere maior
flexibilidade à arbitragem, mas que também limita a possibilidade de revisão
por tribunais superiores, uma vez que estes apenas julgam com base em normas
jurídicas.
Um aspeto central do regime
jurídico da arbitragem administrativa é a exigência de uma lei especial que
autorize a sua utilização em determinadas matérias. Esta exigência reflete a
preocupação em assegurar que a arbitragem não comprometa direitos indisponíveis
ou o interesse público, que são tradicionalmente salvaguardados pelos tribunais
estatais. Assim, as matérias que envolvem a responsabilidade civil da
Administração por atos legislativos, políticos ou jurisdicionais, bem como a
execução de decisões arbitrais, estão expressamente excluídas do âmbito da
arbitragem, sendo competência exclusiva dos tribunais administrativos.
Além disso, o regime da
arbitragem administrativa permite que as partes configurem os poderes dos
tribunais arbitrais dentro dos limites da legalidade. Por exemplo, os tribunais
arbitrais podem ser autorizados a decidir com base no mérito ou na equidade,
mas devem respeitar os limites materiais que a lei impõe. O CPTA é explícito em
prever a possibilidade de arbitragem em matérias relacionadas com atos
administrativos que não envolvam direitos indisponíveis. No entanto, estabelece
restrições claras, como a proibição de arbitragem sobre atos administrativos
pré-contratuais destacados de procedimentos de concurso público.
Outro elemento distintivo do
regime jurídico é a forma de execução das sentenças arbitrais. Apesar de os
tribunais arbitrais terem competência jurisdicional para decidir conflitos, a
execução das suas decisões em matéria administrativa está reservada aos
tribunais estatais. Esta solução reflete a proteção do interesse público e a
necessidade de preservar a soberania estatal na execução de decisões judiciais.
No plano internacional, o regime
jurídico da arbitragem administrativa segue os princípios consagrados em
convenções internacionais, como a Convenção de Washington de 1965. Portugal
aceita a arbitragem internacional em matérias administrativas, sendo as suas
decisões vinculativas para a Administração Pública, que não pode invocar normas
internas como justificativa para descumprir sentenças arbitrais.
Em síntese, o regime da
arbitragem no direito administrativo combina flexibilidade com um conjunto de
limites e salvaguardas que visam proteger o interesse público e garantir a
compatibilidade com os princípios constitucionais. Embora seja uma ferramenta
valiosa para resolver litígios de forma eficiente, a arbitragem administrativa
está integrada num sistema jurídico que assegura a sua conformidade com o
Estado de Direito e os valores fundamentais da ordem jurídica portuguesa.
4.1 Tribunais Arbitrais Necessários
Há casos em que a lei prevê a
constituição obrigatória de tribunais arbitrais, como em contratos de concessão
de serviços públicos. Estas instâncias não comprometem o acesso ao duplo grau
de jurisdição.
Os tribunais arbitrais
necessários, no âmbito do direito administrativo, são uma figura que se destaca
por desviar da natureza voluntária que caracteriza a arbitragem tradicional. Em
vez de serem criados por livre acordo entre as partes, estes tribunais são
estabelecidos por imposição legal em determinadas situações, obrigando as
partes a submeter os seus litígios à jurisdição arbitral.
O Código de Processo Civil (CPC)
português reconhece a possibilidade de constituição de tribunais arbitrais
necessários em várias áreas, incluindo nas relações jurídicas administrativas.
Contudo, a sua criação está sujeita a uma exigência essencial: a previsão
expressa em lei especial. Assim, não basta o mero desejo de recorrer à
arbitragem; é indispensável que o legislador autorize a constituição de tais
tribunais, especificando as condições em que estes podem ser utilizados.
Exemplos práticos incluem litígios relacionados com concessões de serviços
públicos ou parcerias público-privadas, nos quais a lei frequentemente impõe a
arbitragem como mecanismo obrigatório de resolução de disputas.
O caráter necessário destes
tribunais arbitrais tem suscitado algumas críticas na doutrina, uma vez que
compromete o princípio da liberdade de escolha das partes, que é central à
arbitragem tradicional. Por isso, alguns autores defendem que os tribunais arbitrais
necessários se aproximam mais dos tribunais administrativos especiais do que de
verdadeiros tribunais arbitrais. Apesar dessas críticas, o legislador português
optou por preservar esta figura, especialmente em contextos onde a
especialização e a celeridade do procedimento arbitral se revelam vantajosas.
Uma característica relevante dos
tribunais arbitrais necessários é que, mesmo sendo criados por imposição legal,
eles não podem retirar às partes o direito fundamental de acesso aos tribunais
judiciais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
Por isso, as decisões destes tribunais são, em regra, suscetíveis de recurso
para os tribunais administrativos ou para o Tribunal Central Administrativo.
Esta possibilidade de recurso assegura o cumprimento do princípio da tutela
jurisdicional efetiva, previsto no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição.
Contudo, há exceções: em algumas situações, a lei exclui expressamente a
possibilidade de recurso, como em certos contratos administrativos de
concessão. Embora tais exclusões sejam controversas, o Tribunal Constitucional
tem reconhecido a sua admissibilidade em casos específicos, desde que não
violem os direitos fundamentais das partes.
Outro aspeto relevante é a
diferença entre os tribunais arbitrais necessários e os tribunais arbitrais
forçosos. Enquanto os primeiros decorrem diretamente de uma previsão legal, os
segundos permitem que o particular exija judicialmente que a Administração
celebre um compromisso arbitral. Este direito, consagrado no artigo 182.º do
Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), garante que a
arbitragem possa ser acionada em casos específicos, mesmo sem o acordo prévio
da Administração. Trata-se de um mecanismo que reforça o direito dos
particulares a uma solução arbitral, desde que estejam preenchidos os
requisitos legais para a sua aplicação.
Em termos práticos, os tribunais
arbitrais necessários encontram utilidade em matérias onde o legislador
identifica a necessidade de um foro especializado, célere e que promova
segurança jurídica. São comuns em contratos de grande complexidade técnica ou
impacto económico, como nos contratos de gestão hospitalar ou concessões de
infraestrutura. Apesar de serem uma exceção ao caráter voluntário da
arbitragem, a sua adoção reflete uma tentativa de equilibrar a eficácia da
resolução de litígios com a proteção do interesse público.
5. Limites da Arbitragem Administrativa
5.1 Fundamentação Constitucional e Legislativa
A arbitragem é reconhecida pela
Constituição da República Portuguesa (CRP) – art. 209º/2, mas encontra limites
na proteção de certos interesses públicos que não podem ser deixados à
autodeterminação das partes envolvidas. Esses limites decorrem de:
- Reserva de Competência Legislativa: Apenas a
Assembleia da República pode definir a organização e competência dos
tribunais, incluindo os arbitrais (art. 165, nº 1, alínea p da CRP).
- Reserva de Soberania: Algumas matérias são
de competência exclusiva dos tribunais estatais, como a declaração de
inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas.
5.2 Princípios Gerais dos Limites
A conformação da jurisdição
arbitral no âmbito administrativo deve respeitar dois princípios fundamentais:
- Indisponibilidade de Direitos: A arbitragem
não pode incidir sobre direitos e interesses indisponíveis, isto é,
aqueles cuja decisão não pode ser livremente tomada pelas partes. Exemplos
incluem questões relacionadas ao interesse público que exigem julgamento
por tribunais estatais qualificados.
- Limites Implícitos da Constituição: A CRP
não contém uma lista explícita de matérias que não podem ser submetidas à
arbitragem, mas reconhece a prevalência de regras que assegurem a
soberania estatal e o interesse público.
5.3 Exceções Legislativas e Limitações Específicas
O Código do Processo nos
Tribunais Administrativos (CPTA) e o Código dos Contratos Públicos (CCP)
estabelecem limites legislativos explícitos à arbitragem:
a) Matérias Excluídas pela Lei
- Responsabilidade civil no exercício de funções
soberanas: Segundo o artigo 185 do CPTA, não é possível recorrer à
arbitragem para matérias ligadas à responsabilidade civil derivada de atos
políticos, legislativos ou jurisdicionais.
- Modificações de Contratos Administrativos: O
CCP exclui, no artigo 313.º, a possibilidade de modificação de contratos
que envolvam poderes discricionários da Administração.
b) Restrição em Atos
Administrativos
- Atos Pré-Contratuais: Certos atos
destacáveis de procedimentos pré-contratuais não são arbitráveis, como os
praticados no âmbito de concursos públicos. O tribunal arbitral deve
abster-se de decidir nesses casos.
- Revogabilidade dos Atos: Apenas atos
administrativos que possam ser revogados com base no mérito (não na
invalidade) são considerados disponíveis para arbitragem.
5.4 Reserva de Competência dos Tribunais Estatais
A execução de decisões arbitrais
em matéria administrativa está reservada aos tribunais estatais. Isso significa
que, mesmo quando há uma sentença arbitral, a sua aplicação e execução só podem
ser realizadas por tribunais administrativos.
Exemplo: A Administração
Pública não pode delegar a competência de aplicar coativamente uma sentença
arbitral, preservando a soberania no exercício do poder executivo.
6. Impacto Prático dos Limites
Embora a arbitragem seja uma
ferramenta eficaz para resolução de litígios administrativos, os limites
impostos garantem:
- A proteção do interesse público e da soberania
estatal.
- A manutenção da competência dos tribunais
administrativos em matérias sensíveis.
- O equilíbrio entre a flexibilidade da arbitragem e
a segurança jurídica exigida pelo direito administrativo.
O impacto prático dos limites à
arbitragem no direito administrativo reflete-se diretamente na forma como esta
ferramenta é utilizada para resolver litígios entre particulares e a
Administração Pública. Embora a arbitragem seja amplamente reconhecida como um
mecanismo eficaz, célere e especializado, os limites impostos pelo ordenamento
jurídico garantem que o seu uso respeite os princípios do Estado de Direito,
protegendo os interesses públicos e assegurando a conformidade constitucional.
Um dos efeitos mais evidentes dos
limites à arbitragem é a salvaguarda de matérias consideradas indisponíveis, ou
seja, aquelas em que o interesse público está em jogo e que, por isso, não
podem ser objeto de negociação ou delegação. Este enquadramento restringe o
recurso à arbitragem em temas como a declaração de inconstitucionalidade ou a
apreciação da ilegalidade de normas, que permanecem reservados à competência
exclusiva dos tribunais estatais. Na prática, isso evita que questões
estruturais ou de grande relevância para a coletividade sejam decididas fora do
controle jurisdicional estatal, protegendo a soberania e a uniformidade da
aplicação da lei.
Além disso, os limites
refletem-se na impossibilidade de submeter à arbitragem litígios relacionados
com certos atos administrativos que envolvem direitos indisponíveis ou poderes
discricionários. Por exemplo, nos casos de atos administrativos destacados de
procedimentos pré-contratuais, como os praticados em concursos públicos, a
exclusão da arbitragem impede que decisões que afetam o acesso equitativo e
transparente às contratações públicas sejam arbitrariamente julgadas. Assim,
protege-se o princípio da imparcialidade e da igualdade no exercício da função
administrativa.
No domínio dos contratos
administrativos, os limites impactam diretamente a forma como as partes
contratantes podem resolver disputas. Embora o Código dos Contratos Públicos
(CCP) permita a arbitragem em várias situações, ele também estabelece
restrições importantes, como a proibição de modificar contratos por meio de
arbitragem em situações que comprometam os poderes discricionários da
Administração. Este limite prático reforça o papel da Administração como
guardiã do interesse público, prevenindo que a sua margem de decisão seja
restringida por convenções arbitrais.
Outro impacto significativo é a
reserva de competência dos tribunais estatais para a execução de sentenças
arbitrais. Mesmo quando um tribunal arbitral resolve um litígio, a execução da
sua decisão depende da intervenção dos tribunais administrativos. Na prática,
esta medida assegura que o cumprimento das sentenças seja realizado sob
supervisão estatal, mantendo o controlo sobre os atos executórios e prevenindo
eventuais violações de direitos fundamentais.
No contexto da arbitragem
internacional, os limites também têm implicações práticas importantes. Embora
Portugal reconheça e permita a arbitragem em litígios administrativos com
entidades estrangeiras, a vinculação da Administração Pública às decisões de
tribunais arbitrais internacionais é condicionada pelo respeito aos princípios
constitucionais e às normas do direito internacional. Este enquadramento
previne abusos ou conflitos entre a legislação nacional e os compromissos
internacionais assumidos pelo Estado, garantindo que o interesse público seja
protegido mesmo em litígios transnacionais.
Por fim, os limites à arbitragem
promovem um equilíbrio entre a eficiência da resolução de litígios e a
preservação de valores fundamentais do direito administrativo. Na prática,
evitam que a arbitragem esvazie a competência dos tribunais comuns ou comprometa
a legalidade e a transparência da atuação administrativa. Ao mesmo tempo, ao
restringir a arbitragem a casos que não afetem direitos indisponíveis ou
interesses públicos essenciais, os limites asseguram que este mecanismo
permaneça uma ferramenta complementar, e não substitutiva, da justiça estatal.
7. Conclusões
Em suma, os limites à arbitragem
no direito administrativo têm um impacto prático que transcende a simples
regulação de competências. Moldam o uso da arbitragem como um instrumento
especializado, mas disciplinado, que combina os benefícios da celeridade e
flexibilidade com a proteção do interesse público e a garantia de conformidade
com o ordenamento jurídico.
Na prática, os limites asseguram
que matérias de elevada sensibilidade, como a declaração de
inconstitucionalidade de normas, a execução de sentenças arbitrais ou a revisão
de atos administrativos não disponíveis, sejam preservadas no domínio exclusivo
dos tribunais estatais. Este enquadramento é particularmente relevante em
situações onde o interesse coletivo pode estar em tensão com os interesses
privados, reforçando a necessidade de decisões amparadas por um controlo
jurisdicional mais amplo.
Outro impacto significativo é o
condicionamento do uso da arbitragem em contratos administrativos. Ao impedir,
por exemplo, que decisões arbitrais possam comprometer os poderes
discricionários da Administração, o legislador reforça o papel da arbitragem como
instrumento complementar, e não substitutivo, da justiça estatal. Isto preserva
a integridade da atuação administrativa, garantindo que ela continue pautada
pelo respeito às normas constitucionais e legislativas.
Os limites à arbitragem também
desempenham um papel crucial na proteção do princípio da igualdade e
transparência nos procedimentos administrativos. Ao excluir certas matérias,
como atos destacáveis de concursos públicos, do alcance da arbitragem, previne-se
o risco de decisões arbitrais que possam comprometer os princípios de acesso
equitativo e imparcialidade na contratação pública.
No contexto internacional, os
limites ajudam a assegurar que os compromissos assumidos pela Administração
Pública sejam compatíveis com os princípios do direito internacional e com as
normas internas. Isso garante que a arbitragem internacional não se torne um
espaço para decisões que possam vulnerar a ordem pública interna ou subverter o
equilíbrio entre a autonomia das partes e os interesses coletivos.
Portanto, os limites à arbitragem
administrativa têm um impacto prático profundo: promovem a utilização
responsável e equilibrada deste mecanismo, reforçam a compatibilidade entre a
arbitragem e os valores fundamentais do direito administrativo e garantem que a
proteção do interesse público prevaleça sobre a celeridade e a flexibilidade
arbitral. Em última análise, asseguram que a arbitragem administrativa, apesar
de flexível e eficiente, permaneça subordinada às exigências do Estado de
Direito e ao respeito pelas normas que regem a atuação administrativa.
Bibliografia:
·
Cabral de Moncada, Luís. A Arbitragem no
Direito Administrativo: Uma Justiça Alternativa. Revista O Direito,
Ano 2010, III
·
ANDRADE, José Carlos Vieira de. A Justiça
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·
ALMEIDA, Mário Aroso de. Manual de Processo
Administrativo. Coimbra: Almedina, Ano 2010
·
Apontamentos de “Curso Intensivo de
Arbitragem”
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