Thursday, November 21, 2024

A Execução de Sentenças nos Tribunais Administrativos


A Execução de Sentenças nos Tribunais Administrativos


 Enquadramento Histórico do princípio da tutela jurisdicional efetiva:

O art.2 do CPTA consagra o princípio da tutela jurisdicional efetiva que permite a possibilidade de executar a decisão que decorra do direito de obter essa mesma decisão judicial. É de acordo com este princípio da tutela jurisdicional efetiva que se exige que as sentenças sejam efetivas (mesmo que uma das partes componentes do litígio seja uma entidade pública).

Este princípio é um direito fundamental consagrado na nossa CRP, no art. 268/4, constituindo um dos princípios basilares do CPTA, sendo até mesmo considerado como “trave-mestra do processo executivo”[1].

Podemos definir sentença como “o ato processual pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa, sendo que as decisões dos Tribunais colegiais têm a denominação de acórdãos” (adotando a definição proposta pelo art. 152/ 2 e 3 do CPC).

Foi com o Decreto-Lei n.256-A/77 de 17 de junho, que se introduziu o processo de execução de sentenças, que se manteve em vigor até à reforma do contencioso administrativo de 2002/2004.

Este DL assumiu uma particular relevância na evolução histórica do processo executivo em matéria de sentenças graças às diversas inovações que criou, nomeadamente o reforço das garantias de legalidade administrativa e dos direitos individuais perante a Administração Pública, a introdução de alterações nestas matérias de execução de modo a tentar expandir os meios adequados que assegurassem o cumprimento dos julgamentos de forma mais concisa.

Foi também no seguimento deste DL que se consagrou o direito subjectivo da execução de sentenças proferidas pelos Tribunais Administrativos como um direito-garantia dos particulares que obtiveram provimento do recurso.

Relativamente à existência deste direito subjetivo, coloca-se na nossa doutrina a discussão de saber se estamos efetivamente perante um direito subjetivo ou apenas perante um interesse legitimo. Perante o levantamento desta questão, o Professor FREITAS DO AMARAL defende que estamos de facto perante um direito subjetivo por parte do particular.

 

O Novo Processo Executivo

Tanto o Novo Regime Jurídico do Processo Executivo introduzido pelo CPTA como a reforma do contencioso administrativo vieram concretizar mais detalhadamente todo o poder jurisdicional no princípio da tutela.

No CPTA, o legislador no seu art. 3/3 (bem como no art. 4/1 e 9 ETAF) atribui aos Tribunais Administrativos poderes para providenciar pela “concretização material do que foi determinado na sentença”, foi através desta norma que o legislador reconheceu expressamente aos Tribunais Administrativos a competência executiva plena para a execução de todas as sentenças por eles proferidas, sejam estas contra a Administração ou contra particulares.

O CPTA regula a matéria dos processos executivos no Título VIII, que compreende os artigos 157 a 179.

Como bem sabemos, o novo contencioso administrativo veio resolver problemas existentes de modo a fortalecer o sistema português, sendo que um dos problemas que veio solucionar situava-se no plano da tutela executiva, relativamente ao facto desta ser praticamente inexistente perante as entidades públicas. Podemos afirmar mais uma vez, que este novo modelo veio concretizar o poder da plena jurisdição executiva dos tribunais administrativos tendo sempre em consideração os limites impostos pelo princípio da separação de poderes.

 

O Artigo 173 do CPTA:

Esta forma de processo surgiu para dar resposta às situações em que o tribunal havia proferido uma pura a anulação, deixando a cargo da Administração a função de extrair da sentença as respetivas consequências.

Relativamente ao dever de execução de sentenças de anulação dos atos administrativos, o CPTA vem determiná-lo no art. 173, ressalvando que que o princípio da execução efetiva admite à Administração a capacidade para “suprir os efeitos imediatos do ato anulado, o dever de anular, reformar ou substituir atos consequentes e alterar situações de facto, entretanto constituídas, cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença” (n.2).

Este processo, no entanto, não pode ser considerado verdadeiramente um processo executivo limitado a obter consequências de sentenças anteriores, dado que contém também uma vertente declarativa uma vez que a sentença proferida vai, a posteriori, conhecer a situação e concretizar os efeitos condenatórios de forma autónoma. Para que a sentença produza os seus efeitos, o seu alcance depende dos fundamentos que constaram da decisão de anulação, nomeadamente da ilegalidade que se conseguiu demonstrar. Podemos ainda constatar que, em matéria de execução de sentenças, o objetivo primordial do juiz é definir a solução jurídica para aquele caso concreto.

No âmbito das sentenças de mera anulação, recai sobre a administração o dever de voltar a examinar a dita situação de facto (de acordo com a legislação aplicável) e o dever de atuar de acordo com os termos legais corretos que decorram desse exame. No entanto temos de ter em consideração que este dever de atuação por parte da Administração é distinto caso haja ou não proibição de renovação do ato na fundamentação de anulação judicial ou seja, se a invalidade tiver sido decretada por vícios de forma ou procedimento, a Administração pode praticar um novo ato, desde que de igual conteúdo.

Sobre esta matéria, o Acórdão do STA de 30/04/97 refere que “se estiver em causa uma anulação com fundamento em vicio de forma, o tribunal não pode, em execução de sentença ordenar a prática de ato contrário, apenas a prática de novo ato, havendo dever de decidir[2]


O autor pode atribuir eficácia retroativa aos atos praticados no momento da execução?  E em momento posterior?

O art. 156/2 c) do CPA admite essa possibilidade acrescentando-lhe uma ressalva, “desde que tal não envolva a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos”. Parece-nos que também o CPTA, no seu art. 173/2 se pronuncia no meu sentido.

Relativamente aos atos consequentes, a doutrina tem-se debatido com a questão, dividindo as suas opiniões. A doutrina tradicional, adotava o pensamento do Professor MARCELLO CAETANO, que defendia “a completa reintegração da ordem jurídica violada pelo ato entretanto anulado implicava a eliminação dos atos consequentes e dos respetivos efeitos”.

Após a revisão do CPA em 2015, e de modo a esclarecer a norma que constava do art. 132/2 i) que suscitava diversas dúvidas de interpretação, passou a entender-se que os atos consequentes deixariam de ser nulos, sendo por isso, anuláveis (arts. 173/2 CPTA e 172 CPA). Este primeiro artigo, refere ainda algumas regras de necessária aplicação aos atos consequentes nomeandamente, à situação jurídica dos beneficiários de boa-fé do ato que resulta ser anulado.

Partindo de uma análise sistemática sugerida pelo Professor VIEIRA DE ANDRADE no seu manual, ao analisarmos o art. 173/1, podemos apresentar três planos nos quais se pode constituir a Administração por efeito da anulação de um ato administrativo:

1)    reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado, mediante a execução do efeito repristinatório da anulação;

2)    cumprimento tardio dos deveres que a Administração não cumpriu durante a vigência do ato ilegal, porque este ato disso a dispensava;

3)    eventual substituição do ato ilegal, sem reincidir nas ilegalidades anteriormente cometidas. Sendo certo que a eventual substituição do ato ilegal por outro com idêntico conteúdo, quando possível, pode ter o alcance, dependendo dos casos, de dispensar, total ou parcialmente, a Administração de cumprir aqueles dois primeiros tipos de deveres, mas que, na medida em que essa substituição não tenha lugar, prevalece o efeito repristinatório da anulação e a eventual execução desse efeito repristinatório, quando a ela deva haver lugar.[3]


O Conteúdo e a Força das Sentenças nos Tribunais Administrativos

O CPTA, de modo a concretizar o poder de jurisdição executiva atribui determinados poderes concretos aos Tribunais Administrativos, sendo esses poderes configurados de forma plena uma vez que o objetivo primordial processo executivo administrativo é a reintegração do particular através da efetividade das sentenças administrativas.

As sentenças podem ser classificadas relativamente aos efeitos que produzem, mais especificamente quanto ao seu conteúdo, pelo que, no âmbito do princípio do pedido, correspondem às espécies de ações quanto ao fim, designadamente:

- Condenatórias: quando especificam os atos ou operações que devem ter lugar para a execução de uma sentença ou determinam a entrega de uma coisa ou o pagamento de uma quantia;

- Declarativas: designadamente quando determinam a nulidade de atos administrativos contrários à sentença ou declaram a existência de uma causa legítima de inexecução;

- Constitutivas: quando anulam atos cuja manutenção seja legal;

- Substitutivas: quando produzem os efeitos de um ato administrativo devido e vinculado.

De acordo com o art. 160 CPTA, a força executiva das sentenças ocorre geralmente após o seu trânsito em julgado. No entanto, o n.2 assume uma exceção, relativamente às situações em que tenha sido interposto recurso com efeito meramente devolutivo, nesses casos apenas adquirem a sua força após notificação à Administração da decisão atribuída.

Geralmente, para que se dê início ao processo de execução é necessário que o particular cumpra um prazo e/ou o pagamento de uma determinada quantia para que possa exercer o seu direito (30 ou 90 dias). Contudo temos de ter em atenção que os prazos que funcionam na normalidade dos casos não se aplicam aos casos urgentes, incluindo os processos cautelares. Salvo esta exceção, o particular adquire o seu direito ao cumprimento da sentença desde logo.

Deste modo conseguimos desde logo concluir que a Administração tem o dever de cumprir integralmente a sentença, é o que resulta do art. 158 CPTA, que tem como corolários a prevalência e a imperatividade das sentenças dos tribunais administrativos.

O Professor RODRIGO ESTEVES OLIVEIRA atribui diversas características face ao cumprimento das sentenças:

     1. Tempestivo: a observar após o transito em julgado da sentença e dentro de prazo certo);

    2.     Integral ou pontual: princípio da identidade entre o julgado e o executado;

   3.     Escrupuloso: feito de boa-fé, sem dilações injustificadas e estado proibida a adoção de quaisquer atos ou operações que mantenham ou deem por existente a situação sancionada pelo tribunal;

   4.     Efetivo: sendo proibidas quaisquer formas de inexecução indireta, como sucede com o cumprimento aparente ou fictício sumulado, fraudulento, efusivo;

    5.     Consistente ou intangível: no sentido em que, depois de cumprir, há que acatar o cumprido;

    6.   Espontâneo: independentemente da interpelação judicial e do requerimento o interessado, que não têm qualquer ónus de requerer à Administração a execução da sentença pra a colocar em mora.[4]

Contudo, a nossa ordem jurídica apresenta-nos situações excecionais em que tal possa não ocorrer, são as chamadas causas legitimas de inexecução da sentença, que podem ser: a impossibilidade absoluta ou o excecional prejuízo para o interesse público

Esta última exceção apenas para que possa ser aceite depende do reconhecimento por acordo das partes ou quando julgado procedente pelo juiz.

 

 

Os Efeitos das Sentenças de Anulação de Atos Administrativos

Podemos afirmar que, grossomodo, o principal efeito de uma sentença é fixar, imperativamente o direito aplicável a um caso concreto, logo após ser proferida sentença, esgota-se o poder jurisdicional sobre a matéria da causa em apreço.

No âmbito das sentenças de mera anulação, podemos afirmar que existe um efeito “repristinatório” que impõe o dever de reconstituir a situação que existiria caso o ato anulado não tivesse sido praticado.

Contudo temos de nos questionar se estes efeitos apenas afetam as partes envolvidas ou se produzem efeitos quanto a terceiros. A regra é a produção de efeitos apenas entre as partes, no entanto sabemos que em Direito existem sempre exceções à regra incontestável e este caso não é exceção, nomeadamente no caso dos efeitos favoráveis da sentença anulatória, no qual se admite decisão de extensão dos efeitos a outros pessoas e existe ainda o caso das sentenças de declaração de ilegalidade normas imediatamente operativas, em que não é só  facto da eliminação da norma do ordenamento jurídico que se impõe a todos independentemente de terem sido partes ou não.

 

 

O Processo Executivo

            O Processo administrativo executivo tem como principal objetivo executar títulos resultantes de direitos de um particular em relação à Administração, estabelecendo então uma relação entre exequente e executado.

Temos de frisar, no entanto que, contudo, há determinadas matérias que não seguem o regime previsto no CPTA e adotam o regime consagrado no CPC, como é o caso das sentenças proferidas pelos tribunais administrativos contra particulares

O capítulo das disposições gerais relativamente ao processo executivo inicia-se com o art.157, cujo objetivo é limitar o âmbito de aplicação desta matéria. O CPTA faz referência a três modalidades de execução:

1.     Execução contra entidades públicas (art. 157/1 e 2)

2.     Execução de qualquer título executivo emitido contra entidades administrativas inimputáveis a que a Administração não dê a devida execução (art. 157/4);

3.     Execução contra particulares (art. 157/5).

O CPTA consagra 2 formas de processo executivo em sentido próprio:

    • A execução para prestação de facto ou de coisa;
    • Execução para pagamento de quantia certa.
    • Estabelece ainda uma 3ª forma “a execução de sentença”, mas que é na verdade entendida como sendo uma ação declarativa.

Cumpre ainda destacar os pressupostos que constam do processo:

1.     O título executivo;

2.     O incumprimento do dever de execução espontânea de sentença e a tempestividade da petição de execução;

3.     A competência do tribunal;

4.     A legitimidade ativa e passiva.

 

Considerações finais:

            Termino com um excerto retirado da página do STA, que nos permite concluir todo este tema desenvolvido de forma clara e sucinta evidenciando o papel crucial que o STA possui nesta matéria:    

           “Aqui reside o desafio por excelência dos tribunais administrativos e, em especial, do Supremo Tribunal Administrativo, neste alvorecer do século XXI: garantir uma tutela jurisdicional efectiva a quem a requer (artigo 268º, nº4 da Constituição), fazendo uso da ampla gama dos poderes que legalmente lhe são reconhecidos, sempre nos limites estritos da sua suficiência para o caso sub júdice, sem beliscar o princípio da separação de poderes (artigo 111º, nº 1, da Constituição), trave-mestra do Estado de Direito e garante da liberdade individual.”[5]

 

Bibliografia:

·      Almeida, Mário Aroso de: “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010

·      Andrade, José Carlos Vieira de: “Justiça Administrativa” (Lições), Almedina, 2006.

·      Esteves de Oliveira, Rodrigo, “Processo Executivo: algumas questões”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, STVDIA IVRIDICA, 86

·      Instituto de Ciências Jurídico/Políticas, “Temas e Problemas de Processo Administrativo”, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2011: https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/ebook_processoadministrativoii_isbn_actualizado_jan2012.pdf

·      Machete, Rui Chancerelle de: “Execução de Sentenças Administrativas”, Cadernos de Justiça Administrativa (N.º 34)



[1] Rui Chancerelle de Machete, “Execução de Sentenças Administrativas”, Cadernos de Justiça Administrativa n.o 34, Julho/Ago 2002- pág. 54 a 64

[2] Acórdão do STA de 30/4/97, disponível on-line em www.dgsi.pt.

[3] Vieira de Andrade, “A Justiça Administrativa”, 3a edição.

[4] Rodrigo Esteves de Oliveira, “Processo Executivo: algumas questões”, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, STVDIA IVRIDICA 86

[5] Excerto retirado da página do STA online: https://www.stadministrativo.pt/tribunal/historia/capitulo-8/



Madalena Dias Marques,

ST6, 66483


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