Saturday, December 7, 2024

O contencioso pré-contratual

 

O contencioso pré-contratual

 

1.      Introdução

O surgimento do Estado de Direito Social implicou que o Estado, na prossecução das suas atribuições e competências, passasse a ter de assegurar a satisfação de um vasto elenco de necessidades coletivas, sendo que, com o incremento dessas necessidades, depressa deixou de ter capacidade para realizar essas tarefas com recurso aos seus próprios meios e passou a ter de contratar com entidades privadas a realização das mesmas, através da celebração de contratos administrativos.

Surgiu, assim, a contratação pública, enquanto disciplina que regula o procedimento de formação dos contratos públicos.

Com o aumento de atividade de contratação pública surgiram, também, os problemas e a necessidade de um meio processual que, de forma célere e eficaz, permitisse a impugnação de atos administrativos relativos à formação dos contratos públicos. É o que a lei chama de “contencioso pré-contratual”.

 

2.      Regime do contencioso pré-contratual

O regime do contencioso pré-contratual, encontra-se previsto nos artigos 100º a 103º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 36º do CPTA, os processos de contencioso pré-contratual são processos urgentes.

A urgência, como refere o Professor Vieira de Andrade, “resulta da necessidade de assegurar simultaneamente duas ordens de interesses, públicos e privados: por um lado, promover neste domínio a transparência e a concorrência, através de uma proteção adequada e em tempo útil aos interesses dos candidatos à celebração de contratos com as entidades pública; por outro lado, e sobretudo, garantir o início rápido da execução dos contratos administrativos e a respetiva estabilidade depois de celebrados, dando proteção adequada aos interesses públicos substanciais em causa e aos interesses dos contratantes”.[1]

 

2.1.   Âmbito do contencioso pré-contratual

Refere o n.º 1 do art.º 100º do CPTA que “o contencioso pré-contratual compreende as ações de impugnação ou de condenação à prática de atos administrativos relativos à formação de contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de aquisição ou locação de bens móveis e de aquisição de serviços”.

Assim, este meio processual abrange, no âmbito do procedimento de formação de um contrato, a impugnação dos atos praticados desde o seu início, que corresponde ao momento da decisão de contratar, até ao seu fim, que ocorre com a celebração do contrato.

O n.º 2 do mesmo normativo legal esclarece que, para efeitos do contencioso pré-contratual, os atos administrativos são “os atos praticados por quaisquer entidades adjudicantes ao abrigo de regras de contratação pública” e, entre esses atos, podem referir-se a título de exemplo, a escolha do tipo de procedimento aplicável, a exclusão ou ordenação das propostas apresentadas pelos concorrentes ao procedimento, a decisão de adjudicação, entre outros.

 

2.2.   Prazo e legitimidade

Dado o carácter urgente deste tipo de processos, dispõe o art.º 101º do CPTA que os mesmos devem ser intentados no prazo de um mês a contar da notificação dos interessados. Compreende-se a fixação deste prazo mais reduzido no sentido de salvaguardar o interesse público existente no rápido início da execução dos contratos que visam satisfazer necessidades coletivas, que não se compadecem com demoradas demandas em tribunal.

Nos termos do mesmo art.º, esses processos podem ser intentados por qualquer pessoa ou entidade com legitimidade nos termos gerais, o que nos remete para o disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 55º do CPTA que estatui que tem legitimidade para intentar ações que envolvam a impugnação de atos administrativos “quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”.

 

2.3.   Tramitação

Estatui o n.º 1 do art.º 102º do CPTA que os processos do contencioso pré-contratual obedecem à tramitação estabelecida no capítulo III do título II, correspondente aos art.º 78º e seguintes, com as especificidades previstas nos restantes números desse normativo legal.

Assim, distribuído o processo cabe ao juiz proferir despacho liminar, no prazo máximo de 48 horas e, no caso de aceitação da petição inicial, ordenar a citação da entidade demandada e dos contrainteressados, advertindo, ainda, quanto ao disposto no n.º 1 do art.º 103º-A, ou seja, da suspensão automática dos efeitos do ato impugnado, se se mostrarem preenchidos os respetivos pressupostos.

Nos termos do n.º 3 do art.º 102º só é admitido o indeferimento liminar quando se verificar “a manifesta ausência dos pressupostos processuais ou a manifesta falta de fundamento das pretensões formuladas” e de acordo com o n.º 4 “só são admissíveis alegações no caso de ser requerida ou produzida prova com a contestação”.

Ainda na lógica de uma maior celeridade do processo, o n.º 7 do art.º 102º do CPTA prevê a existência de uma audiência pública para discussão da matéria de facto e de direito, quando o tribunal a considere aconselhável ao mais rápido esclarecimento da questão.

 

2.4. A impugnação dos documentos conformadores do procedimento

O art.º 103º do CPTA prevê a impugnação do programa do concurso, do caderno de encargos ou de qualquer outro documento conformador do procedimento de formação de contrato.

Assim, nos termos do seu n.º 1 os processos dirigidos à declaração de ilegalidade de disposições contidas nesses documentos, com fundamento, nomeadamente, na ilegalidade das suas especificações técnicas, económicas ou financeiras, regem-se pelo disposto nesse próprio art.º e no art.º 102º do CPTA.

O n.º 2 prevê uma regra especial quanto à legitimidade ativa, que a restringe a “quem participe ou tenha interesse em participar no procedimento em causa”, ou seja, aos participantes ou interessados em participar no procedimento pré-contratual.

 

2.5. O efeito suspensivo automático e a adoção de medidas provisórias

O n.º 1 do art.º 103º-A do CPTA prevê os casos em que se suspendem automaticamente os efeitos do ato impugnado ou a execução do contrato, se este já tiver sido celebrado. Trata-se das ações que “tenham por objeto a impugnação de atos de adjudicação relativos a procedimentos aos quais é aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 95.º ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do Código dos Contratos Públicos, desde que propostas no prazo de 10 dias úteis contados desde a notificação da adjudicação a todos os concorrentes”.

Nesses casos em que se verifique a suspensão automática dos efeitos do ato impugnado, podem a entidade demandada ou os contrainteressados requerer, durante a pendência da ação, o levantamento desse efeito suspensivo, o qual será levantado “quando, devidamente ponderados todos os interesses públicos e privados em presença, os prejuízos que resultariam da sua manutenção se mostrem superiores aos que podem resultar do seu levantamento” (cfr. n.º 2 e 4 do art.º 103º-A do CPTA).

Por sua vez, o n.º 1 do art.º 103º-B prevê a possibilidade de o autor requerer ao juiz a adoção de medidas provisórias, “destinadas a prevenir o risco de, no momento em que a sentença venha a ser proferida, se ter constituído uma situação de facto consumado ou já não ser possível retomar o procedimento pré-contratual para determinar quem nele seria escolhido como adjudicatário”, quando não se aplique ou tenha sido levantado o efeito suspensivo automático previsto no artigo anterior.

Nos termos do n.º 3, essas medidas provisórias devem ser rejeitadas quando os danos que resultariam da sua adoção se apresentem superiores aos que podem resultar da sua não adoção, sem que tal lesão possa ser evitada ou atenuada pela adoção de outras medidas.

 

3.      Conclusão

De todo o exposto, verifica-se que o contencioso pré-contratual assume uma especial relevância em matéria de contratação pública servindo como salvaguarda quer do interesse público quer dos interesses dos privados que concorrem aos procedimentos de contratação.

 

 

Bibliografia consultada:

·         Almeida, Mário Aroso de, “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010.

·         Vieira de Andrade, José Carlos, “A Justiça Administrativa (Lições)”, 10ª Edição, Almedina, 2009.

·         Diário da República - Lexionário

·         Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)


 

 

 

 

Trabalho realizado por:

Joana Lopes

Aluna n.º 66505

4º ano, Turma A, Subturma 6

 

 

 

 

 

 

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