Desde a revisão de 1989, tinham existido tentativas de suprir as insuficiências legais, procedendo-se à suspensão de atos que eram negativos, mas que tinham ainda alguns efeitos positivos, tendo-se em conta o dano decorrente da demora e a gravidade do prejuízo para o interesse público, sendo aplicadas providências cautelares não especificadas, que constavam do CPC.
Com a revisão constitucional de 1997, a Constituição Portuguesa, enquadrou a proteção cautelar adequada enquanto dimensão do princípio da tutela jurisdicional efetiva dos direitos dos administrados. Do art. 268.º/4 CRP decorre que a tutela jurisdicional efetiva engloba a adoção de medidas cautelares adequadas.
I. Processos cautelares
As providências cautelares conferem aos tribunais a possibilidade de uma regulação provisória relativamente aos interesses em causa, até ao momento da decisão da ação principal.
A regulação provisória deve ser adequada, contribuindo para a justa composição dos interesses em litígio e deve ter subjacente a preocupação de evitar o periculum in mora. O periculum in mora está associado ao objetivo de evitar que, ao terminar o processo principal e com o consequente proferimento de uma decisão a respeito deste, esta decisão já não permita assegurar os interesses em causa, em virtude do seu proferimento tardio, em resultado do desenvolvimento de acontecimentos durante a pendência do processo que tornaram inútil a decisão ou em virtude de, durante a pendência, se terem verificado danos de difícil reparação.
Note-se que, o elenco de providências cautelares constantes do art. 112.º/2 CPTA não é taxativo. Este artigo consubstancia uma cláusula aberta, uma vez que podem ser adotados todo o tipo de providências cautelares, além das elencadas no presente artigo.
De acordo com o Juíz Conselheiro Carlos Lopes do Rego, é atribuído às partes um dever genérico de requerer as providências cautelares mais adequadas a assegurar a efetividade dos seus direitos, recaindo sobre o juiz o poder-dever de decretar a providência concretamente mais adequada, tendo em conta os direitos invocados pelas partes.
Num processo cautelar, o autor num processo declarativo, visa acautelar o efeito útil da decisão que vier a ser proferida no âmbito da ação principal, de modo a impedir que, durante a pendência do processo, possam ocorrer danos graves ou dificilmente reparáveis.
De acordo com o art. 112.º/1 CPTA, os processos cautelares visam assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo judicial, procurando evitar que a sentença se torne total ou parcialmente inútil, por: 1) “infrutuosidade” - nos casos em que o decorrer de diversas circunstâncias, na pendência do processo, leva a que não seja possível executar, no plano dos factos, o que foi determinado em sentença, sendo a sentença totalmente inútil; ou por 2) “retardamento” – em que, sendo possível a execução e evitar a produção de mais danos, a sentença já não permitirá reverter os danos ocorridos até então, caso em que a sentença será parcialmente inútil.
O art. 112.º/1 CPTA permite ao interessado requerer uma ou mais providências cautelares, caso pretenda obter a conjugação dos efeitos de cada uma delas.
Os processos cautelares não são autónomos, estando na dependência da ação principal, operando como um momento preliminar ou como um incidente do processo declarativo.
II. Características das providências cautelares
As providências cautelares caracterizam-se pela: i) instrumentalidade; ii) provisoriedade e iii) sumariedade.
O processo cautelar caracteriza-se pela instrumentalidade, dado que existe em função de um processo principal (art. 113.º/1 CPTA), visando assegurar a utilidade da sentença a proferir no âmbito desse processo.
A característica da provisoriedade (art. 112.º/2 CPTA), está associada à possibilidade de o tribunal, durante a pendência do processo principal, poder revogar, substituir ou alterar a sua decisão de adoção de uma providência cautelar, nomeadamente, caso tenha ocorrido um alteração dos pressupostos de facto e de direito inicialmente existentes (art. 124.º/1 CPTA) e no caso de improcedência da ação principal, decidida por sentença de que tenha sido interposto recurso com efeito suspensivo (art. 124.º/3 CPTA).
Importa considerar que não está em causa a resolução definitiva do litígio, mas antes, o estabelecimento de regulação destinada a vigorar até ao proferimento da sentença relativa ao processo principal. Atente-se ao facto de o tribunal em que é intentada a providência cautelar estar impedido de estabelecer uma regulação que resolva de imediato a questão sobre a qual incide a ação principal, sob pena de inutilizar o processo principal.
No que respeita à sumariedade, o processo cautelar implica uma cognição sumária da situação em litígio através de um procedimento simplificado e rápido, isto é, o tribunal deve proceder a apreciações perfunctórias, assentes num juízo sumário acerca dos factos carecidos de apreciação, devendo ser evitados juízos definitivos (característicos do processo principal).
Note-se, no entanto que, o art.121.º/1 CPTA consagra, uma situação de convolação do processo cautelar num processo principal, ocorrendo a substituição do juízo sumário por um juízo definitivo, quando verificados os requisitos impostos pelo artigo.
III. Providências conservatórias e antecipatórias
Até à Revisão de 2015, eram diferentes os critérios que permitiam a adoção de um dos dois tipos de providências cautelares constantes do art. 112.º/1 CPTA - providências antecipatórias e conservatórias - estando previstos critérios mais exigentes para a adoção de providências antecipatórias. Com a Revisão de 2015, procedeu-se a uma uniformização do disposto no art. 120.º/1 CPTA, passando os dois tipos de providências cautelares a depender dos mesmos critérios.
Os Professores Mário Aroso de Almeida e Carlos Fernandes Cadilha, defendem uma interpretação em sentido funcional da referência aos dois tipos de providências cautelares, constantes do art. 112.º/1 CPTA: i) nos casos em que se procure a tutela de situações jurídicas finais, estáticas ou opositivas, em que a satisfação do interesse do seu titular não está dependente de prestações de outrem, pretendendo-se apenas que não sejam praticadas condutas suscetíveis de atentar contra a sua situação jurídica, deve recorrer-se a uma providência conservatória; ii) já as situações jurídicas instrumentais, dinâmicas e pretensivas que correspondem àquelas em que a satisfação do interesse do titular depende da realização de prestações por outrem, pretendendo o titular do interesse em causa garantir a sua satisfação, deve recorrer-se a uma providência antecipatória.
Assim, de acordo com o Acórdão do STA de 31 de janeiro de 2005, as providências conservatórias destinam-se a reter, na posse ou na titularidade do particular, um direito a um bem de que ele já disponha, mas que está ameaçado de perder, enquanto as providências antecipatórias pretendem obter, antes que o dano aconteça, um bem a que o particular tenha direito.
Nas providências conservatórias, o interessado pretende manter um direito (manter o statu quo), aquando da verificação de “periculum in mora” ou quando despoletou o litígio, evitando que esse direito por si invocado seja prejudicado por posteriores medidas adotadas. Neste tipo de providência, recai sobre o demandante o ónus material da prova. A este respeito considere-se a situação em que o interessado reage contra um ato administrativo de conteúdo positivo, impugnando esse ato.
Nas providências antecipatórias, pode ser necessário antecipar, ainda que não a título definitivo, a constituição de uma nova situação jurídica, equivalente àquela que se pretende obter com o processo principal. Neste tipo de providência, o interessado visa a adoção de determinadas medidas (pressupondo a alteração do statu quo), para diminuir os prejuízos decorrentes do retardamento da decisão acerca da ação principal, não tendo necessariamente de passar pela prática de um ato administrativo. Recai sobre o autor o ónus material da prova do bem fundado das suas pretensões.
Note-se que, as providências antecipatórias não têm obrigatoriamente subjacente a antecipação provisória da utilidade pretendida no processo principal, assentando antes no estabelecimento de regulação provisória que não proporcione ao particular exatamente aquilo que lhe poderá ser reconhecido em juízo relativamente ao processo principal.
IV. Legitimidade para adoção de providências cautelares
Atendendo ao disposto no art. 112.º/1 CPTA, tem legitimidade para a adoção de providências cautelares todo aquele que tenha legitimidade para intentar ação junto da justiça administrativa, e não apenas os particulares que recorram aos tribunais administrativos em defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. São aplicáveis as regras gerais do CPTA relativamente à aferição de legitimidade (arts. 9.º, 10.º, 55.º, 68.º/1, 73.º e 77.º- A CPTA).
No que respeita à legitimidade passiva, de acordo com o art. 10.º/1 CPTA, o processo cautelar deve ser intentado contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor.
V. Critérios para decisão das providências cautelares
O art. 120.º/1 CPTA estabelece dois critérios cumulativos para decisão das providências cautelares: 1) periculum in mora (fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal) e 2) fumus boni iuris (na sua formulação positiva, pressupõe que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente).
O periculum in mora corresponde ao receio justificado de que, quando o processo principal chegue ao fim e com o proferimento da decisão pelo juiz, esta decisão já não seja proferida em tempo oportuno, não permitindo dar uma resposta adequada às situações jurídicas em causa, em resultado da evolução de diversas circunstâncias durante a pendência do processo, as quais tornaram a decisão sobre ele totalmente inútil ou em virtude de tal evolução ter conduzido à produção de danos de difícil reparação.
É necessário que exista um fundado receio quanto à ocorrência das circunstâncias acima mencionadas, recaindo sobre o requerente o ónus de alegar e demonstrar os factos que permitam a formulação de um juízo sobre o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que este visa assegurar no processo principal.
Tendo em conta o Acórdão de 14 de janeiro de 2022, do TAC Norte, “o juiz deve ponderar as circunstâncias concretas do caso em função da utilidade da sentença e não decidir com base em critérios abstratos, ponderando, designadamente, sobre as dificuldades que envolvem o restabelecimento da situação que deveria existir se a conduta ilegal não tivesse tido lugar”. Recorrendo a um juízo de prognose, o juiz deve atender aos prejuízos relevantes, tendo em conta os interesses do requerente, independentemente de o perigo respeitar a interesses públicos, comunitários ou coletivos ou a interesses individuais.
O fundado receio pressupõe a existência de circunstâncias factuais que revelem, de forma objetiva, a iminência da lesão e a necessidade de serem tomadas medidas cautelares que impeçam a ocorrência de tais prejuízos, não se afigurando suficiente a existência de um receio meramente eventual ou hipotético.
De acordo com o Juíz Conselheiro Abrantes Geraldes, “o receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar com objetividade e distanciamento a seriedade e a atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”.
O requisito do fumus boni iuris, diz respeito ao juízo de probabilidade ou de verosimilhança - à aparência do direito. Este critério está associado a uma formulação positiva, pressupondo uma avaliação sumária acerca da existência do direito invocado pelo requerente ou das ilegalidades que o mesmo invoca e da probabilidade de sucesso do seu pedido na ação principal. O juiz deve atender à probabilidade de sucesso do requerente no processo principal e ao comportamento judicial e extrajudicial do requerido, não antecipando, no entanto, o juízo referente ao processo principal.
O Professor Mário Aroso de Almeida defende a solução do art. 120.º/1 CPTA vigente antes da Reforma de 2015, em que se distinguia concretamente as providências conservatórias das antecipatórias, considerando que apenas quando estivesse em causa a adoção de providências antecipatórias, a aplicação do critério do fumus boni iuris implicaria que o encargo de fazer prova perfunctória do bem fundado da pretensão deduzida no processo principal recaísse sobre o requerente. Para o Professor, a Reforma de 2015 implicou uma limitação dos cidadãos no acesso à tutela cautelar, por proceder à uniformização dos critérios gerais de atribuição de providências cautelares antecipatórias e conservatórias, na medida em que para a adoção de ambas se passou a exigir a probabilidade de procedência da pretensão formulada ou a que venha a ser formulada no processo principal.
Contudo, o preenchimento dos dois requisitos mencionados pode não ser suficiente para a adoção de uma providência cautelar. Caso se verifique a situação prescrita pelo art. 120.º/2 CPTA, e, portanto, com base numa ponderação de prejuízos, o tribunal entenda que os danos que resultariam para o interesse público, com a adoção da medida cautelar, se afigurem superiores aos danos que podem resultar da sua recusa para o requerente, não deverá ser concedida a providência cautelar.
Assim, o decretamento de uma providência cautelar está sujeito a um juízo de valor absoluto sobre a situação do requerente, tendo em conta os dois critérios do art. 120.º/1 CPTA, mas também a um juízo de valor relativo, assente na comparação entre os prejuízos que podem ocorrer com a adoção da providência para o requerente e para os contra-interessados, de acordo com um juízo de proporcionalidade (art. 120.º/2 CPTA). O juiz deve, casuisticamente, proceder a uma ponderação global equilibrada acerca dos prejuízos que poderão vir a ocorrer sobre os interesses em causa, devendo contrapor os danos que poderão ocorrer com a atribuição da providência cautelar, quer para os interesses públicos, quer para os privados.
Deste modo, o art. 120.º/1 CPTA estabelece dois critérios fundamentais para a adoção de uma providência cautelar, acrescentando o art. 120.º/2 CPTA uma cláusula de salvaguarda - um critério adicional de ponderação de danos ou prejuízos, na medida em que, em função das circunstâncias do caso, o juiz deve tomar a decisão que envolva, objetivamente, menos prejuízos.
Para o Professor Mário Aroso de Almeida este critério de ponderação não tem subjacentes valores ou interesses, estando sim em causa uma ponderação de prejuízos reais, que, numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da providência cautelar e atendendo às circunstâncias do caso, ocorreriam com a recusa da adoção ou com a concessão plena ou limitada de tal providência.
De acordo com o art. 120.º/2 CPTA, o ónus de alegação da circunstância impeditiva e o ónus da prova recaem sobre os requeridos.
O art. 120.º/3 CPTA consagra também o princípio da proporcionalidade, ao permitir que possa ser decretada outra ou outras providências, em substituição ou em cumulação, com as já requeridas, para evitar ou atenuar o ocorrência de danos desproporcionados para os demais interesses em litígio.
Em suma, as providências cautelares devem ser entendidas como uma forma de assegurar a justiça, permitindo assegurar a efetividade dos direitos ameaçados ou dos interesses legalmente protegidos, durante a pendência do processo principal.
Através de regulação provisória, é possível acautelar o efeito útil da ação principal, visando a justa composição do litígio e evitando o periculum in mora.
Bibliografia:
ALMEIDA, Mário Aroso de, CADILHA, Carlos Alberto Fernandes, Comentário ao CPTA – 2021, 5.ª edição, Almedina
ALMEIDA, Mário Aroso de, Manual de Processo Administrativo, 6.ª edição, Almedina
Acórdão STA
Acórdão STA
https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/3a9aa8943cd85bcc80256f930054d9f4?OpenDocument&ExpandSection=1
Acórdão TAC Norte
Acórdão TAC Sul
Maria Constança Madeira Brogueira Monteiro Lagarto, nº 66503