O processo administrativo tem ganho uma importância crescente, pois assegura o direito à informação dos cidadãos sobre os procedimentos administrativos, um direito consagrado legal e constitucionalmente (Artigos 82.º a 85.º do Código do Procedimento Administrativo e Artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa).
Tal como afirma o Professor Mário Aroso de Almeida, a reforma do regime do processo no Contencioso Administrativo (que entrou em vigor no dia 1 de janeiro de 2004) tratou-se de uma verdadeira revolução, através da qual se instituiu um novo Contencioso Administrativo, que se afasta do modelo francês para se aproximar do modelo alemão.
Para além disso, o processo administrativo tem ainda como finalidade, na maioria das vezes, instruir o processo contencioso de anulação da decisão correspondente em tribunal. Isto porque, até há pouco tempo, a prova documental era o principal meio de prova aceite no contencioso administrativo.
Hoje em dia, os tribunais administrativos costumam dispensar a prova testemunhal, considerando que a prova documental, ou seja, o processo administrativo em si, é suficiente.
É ainda relevante destacar a importância da formalização escrita dos atos e das formalidades, uma vez que mesmo os atos que não exigem forma escrita devem ser registrados em ata, auto ou relatório (conforme o artigo 34.º do Código do Procedimento Administrativo).
Para que exista uma relação jurídica processual é necessária, desde logo, a existência das partes, às quais se poderá acrescentar a existência do tribunal, independentemente da competência, não havendo processo se a petição for dirigida a um órgão não judicial – a estes elementos se pode chamar, por isso, com toda a propriedade, condições de existência da ação, que constituem naturalmente elementos essenciais da causa.
Além destas condições de existência, poderão ainda considerar-se como elementos essenciais da causa aqueles que constituem condições de validade da ação: o pedido, a causa de pedir e, de algum modo, também ao objeto, cuja existência torna o processo nulo.
A falta de algum destes elementos, em regra manifestada na ineptidão da petição inicial, justifica, a recusa pela secretaria do tribunal do recebimento da petição.
Esta definição dos elementos essenciais da causa serve ainda para outros fins, nomeadamente para delimitar o efeito de caso julgado da sentença e para verificar se existe litispendência, bem como a determinação dos poderes dispositivos das partes e dos poderes de cognição do juiz no âmbito do processo.
De entre os elementos do processo que considerei mais relevantes tendo em conta o programa da unidade curricular, destaco: os sujeitos, o objeto do processo, o pedido e a causa de pedir.
O sujeito
O conceito de sujeito (de um processo de partes) está associado à construção da relação jurídica processual segundo um modelo de lide, em que avultam, como sujeitos ou partes principais (também ditas partes necessárias), as pessoas ou entidades que requerem e aquelas contra a qual é requerida a providência judiciária.
Podem ainda ocorrer situações de pluralidade de partes que correspondem às figuras do litisconsórcio e da coligação.
O objeto do processo
O objeto do processo, tradicionalmente, é referido no que respeita aos meios impugnatórios, não no sentido do objetivo imediato, como instância ou conteúdo da causa (definido pelo pedido e pela causa de pedir, que individualizam a pretensão deduzida em juízo), mas para designar o ato ou norma impugnados enquanto objeto mediato da decisão – isto é, o ente cuja validade se discute e que irá sofrer os efeitos da sentença anulatória ou declarativa da ilegalidade.
Tal compreendia-se perfeitamente quando o recurso de anulação era definido como um “processo feito a um ato”, mas não deixa de ter sentido mesmo quando se passa a entender as ações impugnatórias na perspetiva de uma controvérsia sobre uma relação jurídica (substancial), visando determinar a validade da pretensão administrativa de produção de certos efeitos por determinada forma, em função da lei e das posições jurídicas subjetivas por ela reconhecidas ao autor.
Na realidade, a existência de um ato ou de uma norma impugnáveis são um elemento necessário para que se possa lançar mão de um pedido impugnatório no âmbito de uma ação administrativa especial, constituindo, nessa medida, um elemento essencial desta forma de ação que também contribui para a definição e delimitação da causa.
Contextualização
O Professor Regente considera que o estudo do objeto do processo implica, necessariamente, uma ligação estreita entre o pedido e a causa de pedir, uma vez que a relação das partes no processo faz-se através de um pedido de direito que é justificado por facto concretos (que constituem a causa de pedir).
Ao longo da evolução do Direito Processual Administrativo, as questões relacionadas com o objeto do processo foram moldadas por experiências iniciais problemáticas. Por essa razão, como ensina o Senhor Professor Vasco Pereira da Silva, é fundamental analisar os componentes que constituem o objeto – o pedido e a causa de pedir – e compreendê-los em conjunto, sem perder de vista as cicatrizes deixadas pela origem conturbada deste ramo do Direito.
Sabemos que muitas áreas do Direito Administrativo e do Contencioso Administrativo ainda apresentam traços de um passado problemático. Um exemplo disso é o objeto do processo, que, antes da reforma de 2004, era entendido como um “processo ao ato”, conforme mencionado pelo Senhor Professor Vasco Pereira da Silva.
A principal finalidade do objeto era garantir a máxima proteção possível aos particulares na defesa dos seus direitos, razão pela qual o processo administrativo seguia um modelo objetivista. Com essa abordagem, o que realmente importava para o direito não eram apenas as alegações das partes, mas todos os factos da realidade que o juiz pudesse investigar, de forma a determinar a legalidade de uma determinada atuação administrativa.
O pedido
O pedido trata-se, nas palavras do professor Vieira de Andrade trata-se de uma pretensão do autor deduzida em juízo, cujo conteúdo há de relacionar-se com o litígio emergente de uma relação jurídico administrativa.
Assim, os pedidos podem ser:
· Declarativos;
· Condenatórios;
· Constitutivos.
O Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, CPTA) admite a cumulação de pedidos que pode ser, quanto aos pedidos cumulados:
· Simples, se o autor pretende a procedência de todos os pedidos e a produção de todos os efeitos;
· Alternativa, quando o autor, embora intente a procedência de todos os pedidos, só pretende obter alguns dos efeitos, à escolha de outrem;
· Subsidiária, quando o pedido subsidiário só é apresentado para a hipótese de improcedência do pedido especial.
A admissibilidade da cumulação de pedidos depende de uma relação material de conexão entre eles, avaliados nos temos estabelecidos no N.º1 do Art. 4.º, que identificam situações semelhantes às fixadas para a coligação: que a causa de pedir seja a mesma e única; que os pedidos estejam entre si numa relação de prejudicialidade ou de dependência (nomeadamente por respeitarem à mesma relação substancial); que, apesar de a causa de pedir ser diferente, a procedência dos pedidos dependa essencialmente dos mesmos factos ou das mesmas normas jurídicas.
De acordo com o Professor Miguel Teixeira de Sousa, a cumulação simples depende ainda naturalmente da compatibilidade substancial entre os pedidos, nos termos da alínea c) do N.º2 do Art. 193.º do CPC.
Não obsta à cumulação a circunstância de os pedidos cumulados corresponderem a diferentes formas de processo (nesse caso, a forma da ação administrativa especial, com as adaptações necessárias – Art. 5.º, N.º1, CPTA), nem a de serem competentes para os conhecer tribunais diferentes, em razão da hierarquia ou do território (o tribunal competente será então o tribunal superior ou, no caso das competências territoriais, aquele que o autor escolher, salvo no caso de cumulação subsidiária, em que a ação deve ser proposta no tribunal competente para conhecer o pedido especial – Art. 21º, Nº1 e 2), desde que todos os pedidos pertençam ao âmbito próprio da jurisdição administrativa (é o que resulta do Art. 5º, Nº2, que determina a absolvição da instância quanto ao pedido que não pertença).
A causa de pedir
A causa de pedir no processo é constituída pelos factos concretos e pelas razões de direito em que se baseia a pretensão e há de ser adequada a fundamentar cada ação em concreto, variando naturalmente em função dos pedidos.
No que respeita aos processos de impugnação de atos ou de normas, em que, em regra, se apresentam diversas causas de invalidade – pois que, para além do autor, o Ministério Público pode invocar vícios diferentes dos constantes da petição inicial e o próprio juiz pode e deve conhecer oficiosamente outros que eventualmente existam.
Na doutrina, discute-se se a causa de pedir é, então a invalidade do ato, em termos unitários ou se estamos perante um concurso de causas de pedir, tendo em conta que qualquer dos fundamentos é, por si, suscetível de conduzir à procedência da ação.
O Professor Vieira de Andrade considera que a invocação de vícios diversos implica a existência de várias causas de pedir que concorrem ou até se cumulam, designadamente quando os efeitos da procedência são qualitativamente distintos, na medida em que há causas de invalidade que impedem ou limitam a possibilidade de renovação do ato anulado e outras que não.
Com a tese objetivista, aquilo que relevava para o processo era a apreciação integral da atuação administrativa e, por isso, o tribunal não estava limitado às alegações das partes, podendo assim conhecer todo e qualquer facto relevante ao caso.
À tese subjetivista, apesar de interessar o apuramento da legalidade da atuação administrativa, interessa a ligação entre a causa de pedir e o pedido e, por isso, o tribunal deve ter em conta apenas os factos alegados pelas partes que justificarão o pedido realizado (art.º 95º CPTA).
O professor Regente explica que enquanto na tese objetivista se pressupunha a existência de uma “ilegalidade absoluta” por parte da administração, a subjetivista está relacionada com o direito subjetivo lesado pelo que se trata de uma “ilegalidade relativa.”
Além disto, podemos ainda defender esta segunda tese através do argumento de que obrigar a justiça administrativa a tecer juízos sobres todas as causas, que pudessem existir para cada caso, culminaria em maiores hipóteses de erro nas análises dos processos instituídos que, no fundo, revelaria um mau funcionamento do direito administrativo.
Conclusão
Por tudo o que foi exposto, considero relevante explorar a estreita conexão existente entre a causa de pedir e o pedido enquanto elementos do objeto do processo.
De forma geral, é possível afirmar que não é possível, num processo, separá-los e, dessa forma, coloco-me do lado da conceção subjetivista do objeto.
A Reforma do Contencioso Administrativo foi indispensável à plena instituição do Estado de Direito Democrático em Portugal pelo que foi o responsável pela renovação eficaz da abordagem ao objeto no processo.
Esta mudança facilitou a apreciação das questões levantadas em tribunal, ao afastar a noção de um pedido imediato e restringir as ações de impugnação dos atos administrativos. Além disso, garantiu a defesa dos direitos dos particulares que desejam apresentar as suas reclamações no processo.
Bibliografia:
- Apontamentos das aulas teóricas do Senhor Professor Vasco Pereira da Silva
- CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, José - “A Justiça Administrativa: Lições, 10ª edição
- ALMEIDA, Mário Aroso – “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, Coimbra, 2020
- SILVA, Vasco Pereira – “O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise: Ensaio sobre as ações no novo processo administrativo”, 2ª edição
- Diário da República. (n.d.). Processo. Recuperado de https://diariodarepublica.pt/dr/lexionario/termo/processo
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