Introdução
Vem previsto no artigo 20º do Código
de Procedimento Administrativo (“CPA”), que um órgão da Administração Pública
consiste num centro institucionalizado titular de poderes e deveres para
efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva.
Nesta exposição, procurarei desenvolver
a forma de atuação e organização dos órgãos da Administração Pública, de modo a
atingir um conhecimento mais profundo da matéria em causa. No fim, apresentarei
ainda uma sucinta exposição relativa à natureza (e sua evolução), do conceito
de órgão.
Organização da Administração Pública
No sentido orgânico, a Administração Pública é o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado e de outras entidades públicas que visam a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas. Já no sentido material, a Administração Pública é a própria atividade desenvolvida por aqueles órgãos, serviços e agentes.
Considerando a sua natureza
orgânica, é possível distinguir três grandes grupos de entidades na
Administração Pública:
- Administração direta do Estado
- Administração indireta do Estado
- Administração Autónoma
A relação que estes grupos mantêm
com o Governo, enquanto órgão supremo da Administração Pública, varia em
intensidade e torna-se progressivamente mais distante. As entidades da
Administração direta do Estado estão hierarquicamente subordinadas ao Governo
(poder de direção), enquanto as entidades da Administração indireta do Estado
estão sujeitas à superintendência e tutela do Governo (poderes de orientação,
fiscalização e controlo). Já as entidades que integram a Administração Autónoma
estão apenas sujeitas à tutela (poder de fiscalização e controlo).
1. Administração Direta
A Administração direta do Estado
abrange todos os órgãos, serviços e agentes inseridos na pessoa coletiva do
Estado que, de forma direta e imediata, sob a dependência hierárquica do
Governo, desenvolvem atividades destinadas à satisfação das necessidades
coletivas.
No entanto, nem todos os serviços
da Administração direta do Estado têm a mesma competência territorial,
distinguindo-se:
- Serviços centrais
- Serviços periféricos
Os serviços centrais têm
competência em todo o território nacional, como as Direções-Gerais organizadas
em Ministérios. Já os serviços periféricos têm competência limitada
territorialmente, como as Direções Regionais (de Educação, de Agricultura,
entre outras).
2. Administração Indireta
A Administração indireta do
Estado compreende entidades públicas, distintas da pessoa coletiva
"Estado", que possuem personalidade jurídica e autonomia
administrativa e financeira, dedicando-se ao desempenho de atividades
administrativas que visam alcançar fins próprios do Estado. Chama-se
administração "do Estado" porque prossegue finalidades públicas, e
"indireta" porque esses fins são prosseguidos por entidades coletivas
distintas do Estado.
A Administração indireta do
Estado inclui três tipos de entidades:
a) Serviços personalizados
b) Fundos personalizados
c) Entidades públicas empresariais
Serviços personalizados são pessoas coletivas de natureza institucional, com personalidade jurídica, criadas pelo poder público para, de forma independente, exercerem funções próprias do Estado. Exemplos incluem o Instituto Nacional de Estatística, I.P., responsável pela promoção da informação estatística oficial, o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., que promove a criação e qualidade do emprego, e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, I.P., que apoia o progresso da engenharia civil. Também se incluem aqui as Universidades públicas não fundacionais e os hospitais públicos não “empresarializados”.
Fundos personalizados são pessoas coletivas de direito público, com natureza patrimonial, instituídas para a prossecução de fins públicos específicos, como os Serviços Sociais das forças de segurança.
Entidades públicas empresariais são pessoas coletivas com natureza empresarial e fins lucrativos, que prestam bens ou serviços de interesse público, nas quais o Estado ou outras entidades públicas detêm a totalidade do capital. Exemplos incluem o Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE, e o Centro Hospitalar do Porto, EPE.
3. Administração Autónoma
A Administração Autónoma é o
terceiro grande grupo de entidades da Administração Pública e é composta por
entidades que prosseguem interesses próprios das populações que as constituem,
determinando de forma autónoma a sua orientação e atividade. Estas entidades
distribuem-se em três categorias:
a.
Administração Regional (autónoma)
b.
Administração Local (autónoma)
c.
Associações públicas
Estas entidades podem ter um
substrato territorial, como no caso da Administração Regional e Local, ou
associativo, como no caso das Associações públicas.
A Administração Regional
(autónoma) segue um modelo organizacional semelhante à Administração direta
e indireta do Estado, com uma divisão entre serviços centrais e periféricos, e
também serviços personalizados, fundos personalizados e entidades públicas
empresariais.
A diferença reside na competência
territorial e material: enquanto a administração estadual tem competência sobre
todo o território nacional, a administração regional apenas tem competências
nas matérias de interesse das suas populações, desde que não sejam competências
reservadas ao Estado (como a defesa nacional e as relações externas). Além
disso, a sua competência limita-se ao território da respetiva região, nos
termos da Constituição e dos Estatutos político-administrativos.
A Administração Local
(autónoma) segue o mesmo modelo, sendo composta por serviços de
administração direta (centrais e periféricos) e indireta (entidades públicas
empresariais). As autarquias locais, que integram a Administração Local, são
pessoas coletivas de base territorial, dotadas de órgãos representativos, com
competências limitadas ao território da respetiva autarquia e às matérias que a
lei lhes atribui.
Por fim, as Associações
públicas são pessoas coletivas de natureza associativa, criadas pelo poder
público, para promoverem interesses não lucrativos de um grupo de pessoas que
se organizam para tal fim. Exemplos incluem as Ordens profissionais e as
Câmaras dos Solicitadores, dos Despachantes Oficiais e dos Revisores Oficiais
de Contas, que regulam e disciplinam o exercício das respetivas atividades
profissionais.
Natureza – evolução histórica da natureza do conceito de Órgão da
Administração Pública
A questão sobre qual a natureza
dos órgãos no Direito Administrativo, para além de não ser um tema pacífico na
doutrina, é uma definição que sofreu alterações ao longo do tempo.
A teoria defendida pelo Professor Marcello Caetano sustenta
que os órgãos são instituições, e não indivíduos. Para o professor, os órgãos
são centros institucionalizados, operados por indivíduos em nome da pessoa
coletiva, isto é, os indivíduos atuam como titulares de órgãos pertencentes a
uma entidade coletiva. Nesta perspetiva, o órgão é um "feixe de
competências", ou seja, um conjunto de atribuições, e há uma distinção
clara entre o órgão – enquanto entidade institucionalizada – e o seu titular –
o indivíduo que, de forma singular, representa o órgão ou que, em conjunto com
outros, forma um colégio que liga o indivíduo ao órgão.
A segunda orientação, onde se inserem o Professor Afonso
Queiró e o Professor Marques Guedes, defende que os órgãos são os próprios
indivíduos. Esta teoria enfatiza a atividade administrativa em si, argumentando
que os órgãos são, de facto, um conjunto de indivíduos que realizam atos
administrativos. Para esta visão, o conjunto de poderes funcionais que a teoria
anterior denominava de "órgão" corresponde, aqui, às competências. O
órgão é, portanto, o próprio indivíduo. Não se trata de um centro de vontade ou
de decisões: são os indivíduos que, ao atuarem em nome da pessoa coletiva,
manifestam a sua vontade. Da mesma forma, enquanto centros de poderes funcionais
não realizam atos ou omissões, são os indivíduos que agem.
O Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral não se alinha com
nenhuma das teorias anteriores. Defende, por sua vez, que, no âmbito da teoria da
organização administrativa – que se refere à estrutura da Administração
Pública, à composição e funcionamento de um órgão, ou à designação dos seus
titulares –, os órgãos devem ser entendidos como instituições. O que é
relevante, nesta perspetiva, são as funções desempenhadas pelos órgãos, e não
os indivíduos que as exercem.
Contudo, quando o foco é na atividade administrativa – que
analisa quem toma decisões, pratica determinados atos, cumpre ou viola a lei –,
o relevante é o indivíduo, e não o conceito abstrato de um centro de poderes
funcionais.
Atualmente, esta matéria não surge tão fragmentada, devido ao artigo 20º do CPA (mencionado inicialmente), que estabeleceu que um órgão surge como centro institucionalizado titular de poderes e deveres para efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva, pelo que para esta questão, podemos simplesmente responder com a letra da lei.