Thursday, October 17, 2024

Conceito e Organização dos Órgãos de Administração Pública

 

Introdução

Vem previsto no artigo 20º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”), que um órgão da Administração Pública consiste num centro institucionalizado titular de poderes e deveres para efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva.

Nesta exposição, procurarei desenvolver a forma de atuação e organização dos órgãos da Administração Pública, de modo a atingir um conhecimento mais profundo da matéria em causa. No fim, apresentarei ainda uma sucinta exposição relativa à natureza (e sua evolução), do conceito de órgão.

Organização da Administração Pública

No sentido orgânico, a Administração Pública é o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado e de outras entidades públicas que visam a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas. Já no sentido material, a Administração Pública é a própria atividade desenvolvida por aqueles órgãos, serviços e agentes.

Considerando a sua natureza orgânica, é possível distinguir três grandes grupos de entidades na Administração Pública:

  1. Administração direta do Estado
  2. Administração indireta do Estado
  3. Administração Autónoma

A relação que estes grupos mantêm com o Governo, enquanto órgão supremo da Administração Pública, varia em intensidade e torna-se progressivamente mais distante. As entidades da Administração direta do Estado estão hierarquicamente subordinadas ao Governo (poder de direção), enquanto as entidades da Administração indireta do Estado estão sujeitas à superintendência e tutela do Governo (poderes de orientação, fiscalização e controlo). Já as entidades que integram a Administração Autónoma estão apenas sujeitas à tutela (poder de fiscalização e controlo).

1. Administração Direta

A Administração direta do Estado abrange todos os órgãos, serviços e agentes inseridos na pessoa coletiva do Estado que, de forma direta e imediata, sob a dependência hierárquica do Governo, desenvolvem atividades destinadas à satisfação das necessidades coletivas.

No entanto, nem todos os serviços da Administração direta do Estado têm a mesma competência territorial, distinguindo-se:

  • Serviços centrais
  • Serviços periféricos

Os serviços centrais têm competência em todo o território nacional, como as Direções-Gerais organizadas em Ministérios. Já os serviços periféricos têm competência limitada territorialmente, como as Direções Regionais (de Educação, de Agricultura, entre outras).

2. Administração Indireta

A Administração indireta do Estado compreende entidades públicas, distintas da pessoa coletiva "Estado", que possuem personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira, dedicando-se ao desempenho de atividades administrativas que visam alcançar fins próprios do Estado. Chama-se administração "do Estado" porque prossegue finalidades públicas, e "indireta" porque esses fins são prosseguidos por entidades coletivas distintas do Estado.

A Administração indireta do Estado inclui três tipos de entidades:

a) Serviços personalizados

b) Fundos personalizados

c) Entidades públicas empresariais

Serviços personalizados são pessoas coletivas de natureza institucional, com personalidade jurídica, criadas pelo poder público para, de forma independente, exercerem funções próprias do Estado. Exemplos incluem o Instituto Nacional de Estatística, I.P., responsável pela promoção da informação estatística oficial, o Instituto de Emprego e Formação Profissional, I.P., que promove a criação e qualidade do emprego, e o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, I.P., que apoia o progresso da engenharia civil. Também se incluem aqui as Universidades públicas não fundacionais e os hospitais públicos não “empresarializados”.

Fundos personalizados são pessoas coletivas de direito público, com natureza patrimonial, instituídas para a prossecução de fins públicos específicos, como os Serviços Sociais das forças de segurança.

Entidades públicas empresariais são pessoas coletivas com natureza empresarial e fins lucrativos, que prestam bens ou serviços de interesse público, nas quais o Estado ou outras entidades públicas detêm a totalidade do capital. Exemplos incluem o Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE, e o Centro Hospitalar do Porto, EPE.

3. Administração Autónoma

A Administração Autónoma é o terceiro grande grupo de entidades da Administração Pública e é composta por entidades que prosseguem interesses próprios das populações que as constituem, determinando de forma autónoma a sua orientação e atividade. Estas entidades distribuem-se em três categorias:

a.        Administração Regional (autónoma)

b.       Administração Local (autónoma)

c.         Associações públicas

Estas entidades podem ter um substrato territorial, como no caso da Administração Regional e Local, ou associativo, como no caso das Associações públicas.

A Administração Regional (autónoma) segue um modelo organizacional semelhante à Administração direta e indireta do Estado, com uma divisão entre serviços centrais e periféricos, e também serviços personalizados, fundos personalizados e entidades públicas empresariais.

A diferença reside na competência territorial e material: enquanto a administração estadual tem competência sobre todo o território nacional, a administração regional apenas tem competências nas matérias de interesse das suas populações, desde que não sejam competências reservadas ao Estado (como a defesa nacional e as relações externas). Além disso, a sua competência limita-se ao território da respetiva região, nos termos da Constituição e dos Estatutos político-administrativos.

A Administração Local (autónoma) segue o mesmo modelo, sendo composta por serviços de administração direta (centrais e periféricos) e indireta (entidades públicas empresariais). As autarquias locais, que integram a Administração Local, são pessoas coletivas de base territorial, dotadas de órgãos representativos, com competências limitadas ao território da respetiva autarquia e às matérias que a lei lhes atribui.

Por fim, as Associações públicas são pessoas coletivas de natureza associativa, criadas pelo poder público, para promoverem interesses não lucrativos de um grupo de pessoas que se organizam para tal fim. Exemplos incluem as Ordens profissionais e as Câmaras dos Solicitadores, dos Despachantes Oficiais e dos Revisores Oficiais de Contas, que regulam e disciplinam o exercício das respetivas atividades profissionais.

 

Natureza – evolução histórica da natureza do conceito de Órgão da Administração Pública

A questão sobre qual a natureza dos órgãos no Direito Administrativo, para além de não ser um tema pacífico na doutrina, é uma definição que sofreu alterações ao longo do tempo. 

A teoria defendida pelo Professor Marcello Caetano sustenta que os órgãos são instituições, e não indivíduos. Para o professor, os órgãos são centros institucionalizados, operados por indivíduos em nome da pessoa coletiva, isto é, os indivíduos atuam como titulares de órgãos pertencentes a uma entidade coletiva. Nesta perspetiva, o órgão é um "feixe de competências", ou seja, um conjunto de atribuições, e há uma distinção clara entre o órgão – enquanto entidade institucionalizada – e o seu titular – o indivíduo que, de forma singular, representa o órgão ou que, em conjunto com outros, forma um colégio que liga o indivíduo ao órgão.

A segunda orientação, onde se inserem o Professor Afonso Queiró e o Professor Marques Guedes, defende que os órgãos são os próprios indivíduos. Esta teoria enfatiza a atividade administrativa em si, argumentando que os órgãos são, de facto, um conjunto de indivíduos que realizam atos administrativos. Para esta visão, o conjunto de poderes funcionais que a teoria anterior denominava de "órgão" corresponde, aqui, às competências. O órgão é, portanto, o próprio indivíduo. Não se trata de um centro de vontade ou de decisões: são os indivíduos que, ao atuarem em nome da pessoa coletiva, manifestam a sua vontade. Da mesma forma, enquanto centros de poderes funcionais não realizam atos ou omissões, são os indivíduos que agem.

O Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral não se alinha com nenhuma das teorias anteriores. Defende, por sua vez, que, no âmbito da teoria da organização administrativa – que se refere à estrutura da Administração Pública, à composição e funcionamento de um órgão, ou à designação dos seus titulares –, os órgãos devem ser entendidos como instituições. O que é relevante, nesta perspetiva, são as funções desempenhadas pelos órgãos, e não os indivíduos que as exercem.

Contudo, quando o foco é na atividade administrativa – que analisa quem toma decisões, pratica determinados atos, cumpre ou viola a lei –, o relevante é o indivíduo, e não o conceito abstrato de um centro de poderes funcionais.

Atualmente, esta matéria não surge tão fragmentada, devido ao artigo 20º do CPA (mencionado inicialmente), que estabeleceu que um órgão surge como centro institucionalizado titular de poderes e deveres para efeitos da prática de atos jurídicos imputáveis à pessoa coletiva, pelo que para esta questão, podemos simplesmente responder com a letra da lei.



Trabalho realizado por: Mª Inês Costa Pinto, nº66426
2024/2025

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