A reforma do art. 476º do Código dos Contratos Públicos
- Introdução:
A revisão do Código dos Contratos Públicos (CCP) trouxe alterações significativas às regras aplicáveis aos recursos das decisões arbitrais em litígios pré-contratuais e arbitragens contratuais. O novo art. 476.º do CCP introduz uma abordagem que suscita várias questões jurídicas. Esta revisão, implementada pelo Decreto-Lei n.º 111-B/2017, de 31 de agosto, estabelece no n.º 5 do artigo 476.º que, “nos litígios de valor superior a 500.000 €, é admissível recurso da decisão arbitral para o tribunal administrativo competente, nos termos da lei, com efeito meramente devolutivo”.
A doutrina maioritária interpreta este preceito como uma tentativa de restabelecer o direito ao recurso, suprimido na revisão do CPTA de 2015. Esta interpretação baseia-se no facto de que, além da previsão já existente no art. 185.º-A do CPTA, introduzido pela revisão de 2015 - que revogou o artigo 186.º/N.º 2, onde se dispunha que “as decisões proferidas por tribunal arbitral também podem ser objeto de recurso para o Tribunal Central Administrativo, nos moldes em que a lei sobre arbitragem voluntária prevê o recurso para o Tribunal da Relação, quando o tribunal não tenha decidido segundo a equidade” -, o novo preceito parece recuperar essa faculdade de recorrer.
É relevante assinalar que o passo legislativo dado em 2017 se enquadra no contexto de uma revolução arbitral no Direito Público, caracterizada por desenvolvimentos expressivos nos últimos anos. Por um lado, o legislador buscou fortalecer a arbitragem administrativa institucionalizada; por outro, restringiu a arbitragem administrativa realizada por tribunais ad hoc. Adicionalmente, até um passado recente, havia sérias dificuldades em harmonizar as soluções normativas do CCP com a legislação processual administrativa vigente até a revisão de 2019. Mais relevante ainda é a sensibilidade jurídica demonstrada por essas disposições do CCP quando analisadas sob a ótica da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do Direito da União Europeia (DUE). Todavia, como será analisado, a revisão de 2019 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos contribuiu, ao menos em parte, para solucionar este problema de índole constitucional. Deste modo, passaremos a uma análise crítica do regime previsto no artigo 467.º do CCP.
Antes de nos concentrarmos na análise detalhada dos vários números do artigo 476.º, é necessário abordar três notas gerais que permitem compreender, em linhas gerais, o novo regime. Em primeiro lugar, é essencial destacar que, no contexto da arbitragem prevista no CCP, o âmbito temático ultrapassa os limites dos atos pré-contratuais. O teor literal do n.º 1 do artigo 476.º é claro a esse respeito, ao dispor que podem ser submetidos a arbitragem “litígios emergentes de procedimentos ou contratos aos quais se aplique o presente Código”. Essa solução não é propriamente inovadora, já que, através do CPTA, a arbitrabilidade de questões relacionadas a contratos – incluindo a invalidação de atos de execução – e, desde 2015, a arbitrabilidade de atos administrativos pré-contratuais (cf. artigo 180.º, n.º 3), são amplamente aceites. Com a revisão do CCP em 2017, o legislador limitou-se a reiterar, no essencial, a abordagem já consagrada na legislação processual administrativa quanto aos tipos de matérias arbitráveis.
Para além disso, merece destaque a ênfase na arbitragem necessária e institucionalizada, já apontada no início deste texto. Esta preferência decorre dos números 2 e 3 do artigo 476.º do CCP. Especificamente, no atual regime, o legislador favorece a arbitragem necessária em detrimento da arbitragem facultativa, ao permitir que as entidades adjudicantes optem por submeter os litígios referidos ao mecanismo arbitral. Essa opção acaba por obrigar um amplo conjunto de sujeitos – como os interessados, candidatos, concorrentes e cocontratantes – a aceitar essa modalidade de resolução de conflitos. Em suma, ao facultar essa escolha às entidades adjudicantes, o legislador viabiliza a imposição de arbitragem para litígios pré-contratuais e contratuais. Contudo, essa preferência não se limita à arbitragem necessária: há também uma clara aposta na arbitragem institucionalizada, ou seja, na resolução de litígios por tribunais integrados em centros de arbitragem institucionalizada. Isso é evidente pela interpretação do n.º 3 do artigo 476.º, que restringe a resolução de litígios por tribunais arbitrais fora de centros de arbitragem institucionalizada.
Relativamente a essa aposta na arbitragem necessária e institucionalizada, surgem algumas divergências doutrinárias em relação ao Anteprojeto. Uma das posições defende que a arbitragem institucionalizada, preferencialmente acolhida pelo CCP, é necessária não pela imposição direta da lei, mas porque esta permite que as entidades adjudicantes, ao tomarem essa decisão, a tornem obrigatória. Em outras palavras, é por meio de uma decisão administrativa que essa imposição se concretiza, eliminando a possibilidade de se falar em arbitragem voluntária, no sentido estrito de um mecanismo consensual entre as partes. O Professor João Miranda aborda a questão, mas manifesta maior preocupação com a ausência de critérios claros estabelecidos pelo legislador para orientar as entidades adjudicantes na escolha entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais.
O CCP não se limita a permitir a escolha da arbitragem. Com base nas disposições do art. 476.º/N.º 2, alíneas a) e b), a entidade adjudicante tem o poder de, de forma unilateral, definir o centro de arbitragem onde serão resolvidos os litígios com os interessados, candidatos, concorrentes ou cocontratantes. Além disso, cabe-lhe decidir sobre a constituição do tribunal arbitral e o regime processual aplicável, conforme a alínea c) do mesmo artigo. Classificar de "facultativa" uma arbitragem que se desenvolve nestas condições não é juridicamente correto. Na realidade, a única vontade que conta é a da entidade adjudicante, sendo dispensada a manifestação de vontade dos outros intervenientes. Se a entidade adjudicante assim o decidir, a arbitragem torna-se obrigatória, acontecendo num tribunal integrado no centro que ela escolher e seguindo as regras que ela mesma determinar, em função da sua opção pelo centro de arbitragem. Esse caráter inovador levanta questões importantes relacionadas com o direito de acesso aos tribunais e com o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
Ora, de uma forma mais geral, destaca-se que, como tem sido apontado pela doutrina, o legislador não privilegia a arbitragem em detrimento do recurso aos tribunais administrativos estaduais. O que é permitido, sem imposição de obrigatoriedade, é que as entidades adjudicantes possam optar por resolver os litígios relacionados com procedimentos e contratos regidos pelo CCP por meio da arbitragem. No entanto, sendo uma decisão administrativa que afeta um direito fundamental - o direito de acesso aos tribunais estaduais -, esta deverá ser sempre devidamente fundamentada, conforme os requisitos gerais estabelecidos no art. 152.º/N.º 1, alínea a) do Código do Procedimento Administrativo.
- Considerações dos particulares:
No que diz respeito às considerações dos particulares, ao analisar o número 2, percebe-se uma diferença importante entre a alínea a), que aborda potenciais litígios pré-contratuais, e a alínea b), que foca os litígios contratuais. De acordo com a alínea a), sempre que a entidade adjudicante optar pela arbitragem, esta deve ser obrigatoriamente prevista nas peças do procedimento. Para facilitar este processo, o legislador antecipa a anuência para um momento anterior ao surgimento de qualquer litígio, tratando-a como uma condição de participação no procedimento.
Quanto à alínea b), a necessidade de aceitação da jurisdição de um centro de arbitragem institucionalizada tem uma incidência subjetiva (relacionada ao cocontratante) e objetiva (referente à resolução de conflitos contratuais). Assim, também aqui, a aceitação deve ser expressa nos termos do modelo previsto.
Já a alínea c) traz uma disposição inédita no Anteprojeto. Este preceito cria uma nova obrigação para a entidade adjudicante, sempre que opte pela arbitragem: ela deve estabelecer, de forma imediata, o modo de constituição do tribunal e o regime processual aplicável. Essa previsão é feita por remissão para "as normas de regulamento do centro de arbitragem institucionalizado competente", escolhido pela entidade. Mais uma vez, é invocado o modelo previsto no anexo XII do CCP.
O artigo 476.º/N.º 3, do CCP aborda a arbitragem administrativa não institucionalizada, ou seja, a resolução de litígios por tribunais arbitrais ad hoc. O legislador demonstra certa desconfiança em relação a este tipo de arbitragem, algo que se percebe implicitamente na solução apresentada. Por esse motivo, a utilização de tribunais arbitrais ad hoc para resolver litígios relativos a procedimentos ou contratos abrangidos pelo CCP é admitida apenas de forma excecional. Tal possibilidade depende da verificação de uma das situações previstas nas quatro alíneas do artigo 476.º/N.º 3, que devem ser devidamente consideradas.
Situações elencadas no número 3 do art. 476.º:
Relativamente aos cenários i) e ii) mencionados na alínea a) do n.º 3 do artigo 476.º do CCP, observa-se que, até à revisão de 2017, a arbitragem não institucionalizada era utilizada sobretudo em litígios contratuais que envolvessem elevada complexidade técnica e jurídica, bem como uma expressão económica significativa. Por essa razão, entende-se, num exercício de previsão, que esses critérios continuarão a servir de base para justificar a resolução de litígios por meio de arbitragem em tribunais não integrados em centros de arbitragem institucionalizada. Quanto ao cenário iii), se não houver um centro de arbitragem institucionalizada competente na matéria e o recurso aos tribunais estaduais não for viável, os litígios terão necessariamente de ser resolvidos por um tribunal arbitral ad hoc.
Já a alínea b) permite que se recorra a tribunais arbitrais fora de centros de arbitragem institucionalizada “quando o processo arbitral previsto nos regulamentos do respetivo centro de arbitragem institucionalizado não se conforme com o regime de urgência previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos para os contratos por ele abrangidos.” Apesar de a redação legal poder gerar algumas ambiguidades, parece claro que o âmbito de aplicação desta alínea se restringe a situações em que a entidade adjudicante tenha inicialmente optado por um centro de arbitragem institucionalizada, mas posteriormente se verifique que o litígio não pode ser resolvido por um tribunal integrado nesse centro devido a incompatibilidades entre o regulamento processual do centro e o regime de urgência estabelecido no CPTA para o contencioso pré-contratual.
Alíneas c) e d) do art. 476.º/N.º 3:
Por fim, as alíneas c) e d) estabelecem que a resolução de litígios por meio de arbitragem em tribunais arbitrais não integrados em centros de arbitragem institucionalizada depende de uma justificação específica.
Na alínea c), exige-se uma demonstração quanto à duração do processo arbitral em um centro de arbitragem institucionalizada. Caso fique comprovado que a resolução do litígio por um tribunal integrado em tal centro levaria mais tempo do que a resolução no âmbito de um tribunal arbitral ad hoc, a opção pode recair sobre este último modelo de arbitragem, não institucionalizada.
Já a alínea d) refere-se a uma demonstração relativa aos custos associados ao uso de um centro de arbitragem institucionalizada. Se for evidenciado que os gastos com este tipo de arbitragem seriam superiores aos previstos para a resolução do litígio por um tribunal arbitral ad hoc, a escolha poderá recair sobre este modelo de arbitragem.
Em ambos os casos, tratam-se de hipóteses de aplicação residual, que apresentam desafios probatórios consideráveis. É difícil comprovar que a resolução em um tribunal arbitral institucionalizado resultaria em maior demora (alínea c) ou que implicaria custos mais elevados para as entidades adjudicantes ou contratantes públicos (alínea d).
Número 4 e 5 do art. 476.º do CCP:
Contudo, para além do significado imediato que se depreende do texto do preceito – que remete, não para a LAV diretamente, mas de forma mais geral para os “termos da lei” (e nem mesmo para os “casos e termos da lei”) –, existem argumentos sólidos que se opõem a essa interpretação.
A análise histórica não legitima tal leitura. É relevante recordar que a introdução do artigo 476.º/N.º 5, do CCP revisado ocorreu num cenário onde se acumulavam críticas doutrinárias à irreversibilidade das decisões arbitrais em matéria administrativa e à ausência de disposições específicas para arbitragens envolvendo entidades públicas. Essas disposições deveriam prever mecanismos que equilibrassem a expansão da arbitrabilidade administrativa com uma maior possibilidade de recorrer dessas decisões aos tribunais judiciais.
Ademais, caso essa “interpretação distinta” fosse válida, seria difícil justificar por que, em arbitragens administrativas – que, em certas perspetivas, podem ser entendidas como impostas pela entidade adjudicante ou contratante público –, se rejeitaria a aplicação do princípio geral que permite às partes, por meio de convenção arbitral, prever a possibilidade de recurso. Essa exclusão seria especialmente marcante em litígios com valor igual ou inferior a 500.000 € (ou até 10.000.000 €, segundo o que previa o Anteprojeto), contrariando de maneira inédita o artigo 39.º/Nº 4, da LAV.
Ainda no âmbito do enquadramento, importa sublinhar que a norma legal não faz distinção entre decisões proferidas por tribunais arbitrais ad hoc e aquelas emanadas de tribunais arbitrais pertencentes a centros de arbitragem institucionalizada. Assim, deve-se concluir que a nova solução é aplicável, independentemente do tipo de tribunal arbitral que tenha emitido a decisão.
Constitucionalidade do art. 476.º/N.º 5 do CCP:
Não se pode argumentar que a constitucionalidade do disposto no n.º 5 do artigo 476.º - que, como se verá, é organicamente inconstitucional - possa ser preservada mediante uma interpretação conforme à Constituição. Certamente, a invalidez da norma não decorre de uma "falha normativa" que possa ser corrigida por uma interpretação jurídica.
Contudo, como alerta José Lamego, num Estado democrático fundamentado no princípio da separação de poderes, é questionável justificar abordagens metodológicas que vão além de uma análise reflexiva – mesmo que se corrija o sentido literal da norma – para reconfigurar o próprio propósito da legislação. De fato, “a interpretação conforme à Constituição não autoriza um monismo metodológico, que priorize de forma absoluta a conformidade constitucional em detrimento de outros métodos”. Pelo contrário, esse princípio deve ser aplicado “de acordo com o método”, e não deve permitir que a interpretação ajustada se converta, mesmo que apenas no caso concreto, em uma modificação real e própria da norma analisada.
No caso em questão, como já mencionado, existem argumentos sólidos que evidenciam a clara intenção por trás do disposto no artigo 476.º/N.º 5, do CCP revisado. Por essa razão, qualquer eventual inconstitucionalidade da solução adotada não pode ser corrigida por meio de uma interpretação conforme à Constituição.
O recurso previsto no artigo é efetivamente um recurso jurisdicional, distinto da ação de anulação prevista no artigo 46.º da LAV. A utilização explícita do termo "recurso" não deixa dúvidas, indicando que o CCP remete a regulamentação deste instrumento de impugnação jurisdicional para os "termos da lei", ou seja, para o CPTA. Tudo indica que o legislador teve em mente o recurso ordinário de apelação, regulado de forma independente no artigo 149.º do CPTA.
O tribunal responsável por julgar esse recurso será o tribunal central administrativo competente de acordo com o critério territorial. Contudo, há uma particularidade em que o legislador do CCP se desviou expressamente da regra geral prevista no artigo 143.º/N.º 1, do CPTA: o efeito do recurso. De acordo com o artigo 476.º/N.º 5, in fine, do CCP, o recurso terá apenas efeito devolutivo em relação à decisão recorrida.
Equiparação a sentenças de primeira instância:
De início, considerando que as decisões arbitrais são simplesmente "equiparadas a sentenças dos tribunais de primeira instância", entende-se que, ao determinar que "cabe recurso (...) nos termos da lei", o legislador remete para o recurso ordinário de apelação. Esse recurso concede ao tribunal central administrativo amplos poderes, conforme previsto no artigo 149.º do CPTA. A apelação, inclusive, possibilita que os tribunais centrais administrativos reavaliem a matéria de facto.
Ademais, além do recurso extraordinário de revisão, o artigo 476.º/N.º 5, não exclui a possibilidade de outros recursos previstos no CPTA. Isso inclui a revista per saltum para o Supremo Tribunal Administrativo e o recurso de revista, nos casos estabelecidos no artigo 150.º. Em suma, a admissibilidade de uma decisão arbitral para revista dependerá do cumprimento dos requisitos de recorribilidade previstos na lei.
O novo regime:
Alguns autores minimizam a relevância do novo regime consagrado no artigo 476.º do CCP revisado. Aparentemente, o regime atual seria apenas um desdobramento do CPTA, sem abordar questões de "organização e competência" de tribunais arbitrais em matéria administrativa, já reguladas pelo próprio CPTA e outras normas legais. No entanto, o Professor Rui Medeiros rejeita essa interpretação redutora. Para ele, o n.º 5 do artigo 476.º do CCP representa uma inovação substancial, que contraria tendências legislativas anteriores e adentra um domínio constitucionalmente sensível, exigindo reflexão criteriosa do legislador democraticamente legitimado.
Nesse contexto, é importante ressaltar a difícil compatibilidade entre duas soluções legais: o artigo 180.º/N.º 3, do CPTA (após a revisão de 2015) e o regime do CCP. Aqui, operam dois regimes distintos:
O CPTA sem regime de arbitragem necessária: o artigo 476.º/N.º 2, do CCP consagra uma arbitragem necessária, desde que a entidade adjudicante opte por essa via. Trata-se, contudo, de uma abordagem atípica;
O regime anterior a 2019 do CPTA: em matéria de arbitragem envolvendo atos pré-contratuais, este pressupunha arbitragem não institucionalizada. Em contraste, o CCP favorece expressamente a arbitragem institucionalizada.
Quanto ao primeiro ponto de divergência, já foi analisada a escolha explícita do CCP em sua codificação mais recente. Relativamente à solução adotada pelo CPTA na revisão de 2015, merece destaque o artigo 180.º/N.º 3. Deve ser estabelecido em conformidade com o regime de urgência previsto no presente Código para o contencioso pré-contratual.
Relação de compatibilidade:
Mais do que uma dificuldade de relação compatibilidade - hoje aparentemente superada - entre o regime do CPTA e o do CCP, pode-se estar diante de uma verdadeira desconformidade juridicamente relevante entre a solução normativa do CCP e o Direito da União Europeia. Essa desconformidade decorre, essencialmente, do condicionamento imposto à aceitação da arbitragem como requisito para participação em procedimentos pré-contratuais. Apenas os interessados que aceitem expressamente a determinação da entidade adjudicante quanto à resolução de litígios por meio de arbitragem institucionalizada podem participar do procedimento.
Conforme evidenciado ao longo deste texto, a arbitragem em matéria pré-contratual e contratual pública passou por mudanças significativas com a introdução do art. 476.º do CCP. No entanto, essas alterações nem sempre são facilmente compreensíveis à luz do percurso legislativo previamente trilhado em matéria de arbitragem administrativa, especialmente desde a revisão de 2015. Fica evidente que, em alguns aspectos, o legislador buscou, de forma deliberada, solucionar no CCP problemas que vinham sendo apontados à arbitragem administrativa.
Entretanto, a solução apresentada no CCP gerou novas dificuldades, sobretudo pela opção de uma regulação isolada para a arbitragem nos diferendos procedimentais e contratuais abrangidos por essa codificação. Um exemplo emblemático é o disposto no art. 476.º/N.º 5, do CCP, que prevê o direito ao recurso apenas em casos específicos, limitando-o a litígios de valor superior a €500 000.
A revisão de 2019 tentou enfrentar as dificuldades de compatibilização entre o CCP e o CPTA, além de abordar preocupações constitucionais relevantes. Uma das principais questões foi justamente a delimitação desse direito ao recurso, que levantou debates sobre a adequação da solução às exigências de tutela jurisdicional efetiva e proporcionalidade.
Em vez de um tratamento legislativo fragmentado, como tem ocorrido até agora, seria mais adequado adotar um diploma legal específico dedicado exclusivamente à arbitragem administrativa voluntária.. Efetivamente, mais do que passos isolados, em direções nem sempre coincidentes, dispersos por diplomas legais, o que se afigura necessário, no domínio da arbitragem administrativa voluntária, é uma reflexão de fundo, e projeção de futuro marcadamente unificada. É o que se propugna, de modo a evitar que o quadro legislativo em matéria de arbitragem administrativa se torne progressivamente mais complexo e de difícil compatibilização quanto às peças normativas fundamentais.
Conclusão:
Com base nos elementos analisados, é possível concluir que o tema em questão destaca a complexidade e a relevância de uma interpretação correta e aplicação das normas jurídicas, especialmente no que toca ao equilíbrio entre os direitos individuais e as exigências da ordem pública. A reflexão sobre a jurisprudência e as nuances legais envolvidas demonstrou a importância de ajustar as leis à realidade social e ao contexto económico, sempre tendo em conta os princípios constitucionais que garantem a proteção dos direitos fundamentais.
A análise aprofundada das diversas perspectivas jurídicas, juntamente com um exame crítico das decisões judiciais, revela que o entendimento da matéria, embora não livre de controvérsias, caminha para reforçar a justiça e a equidade. Assim, fica claro que, embora o direito não seja uma ciência exata, é fundamental a constante atualização e reflexão sobre as suas implicações práticas, a fim de assegurar que as normas evoluam conforme as necessidades contemporâneas.
Portanto, o estudo deste tema não só oferece uma visão clara sobre as questões jurídicas centrais, mas também destaca a necessidade de um esforço contínuo por parte dos operadores do direito para adaptar e interpretar as normas de maneira justa e eficaz, garantindo o bem-estar coletivo e o respeito aos direitos individuais.
Bibliografia:
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- MEDEIROS, Rui, A decisão de inconstitucionalidade – os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, Lisboa: UCE, 1999.